quarta-feira, novembro 26, 2014

Vasculharam a casa de ponta a ponta
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)


Episódio Nº 108



















Ultimamente planejara organizar um bando para assaltar fazendas, lugarejos, povoados. Sozinho, pintava e bordava: imagine-se o que poderia fazer à frente de uma súcia de bons clavinoteiros. Para começar, engajara Chico Sena e Janjão.

Nas pastagens de uma fazenda por onde haviam passado laçaram os burros; ninguém os vira - e que vissem!

Manezinho riu da advertência de Chico Sena todavia temeroso do poder dos coronéis:

 - Se vancê tá com medo desarranche. Só quero em minha companhia homem macho.

Escutando por acaso falaz parolice de mulheres, lorotas vãs, no Beco da Valsa em Taquaras, Manezinho ficara sabendo do
embarque de Fadul Abdala no trem para Itabuna.

As perdidas condenavam o desleixo, a imprevidência, mais que desleixo e imprevidência a desídia, o desatino do turco, um idiota: viajava deixando oculta na casa de Tocaia Grande a maquia acumulada nos anos de ambulante, tesouro à disposição do primeiro ousado que se dispusesse a descobri-la.

Discutiam a localização do esconderijo. Na moradia, em baixo do colchão? No negócio, entre mercadorias?

Acordes ao proclamar a grandeza do cabedal, avultado saco de moedas de ouro segundo o testemunho de pessoas conhecidas e de absoluta confiança.

5

Prenderam os animais nos mourões fincados no oitão do armazém, tentaram arrombar as portas da frente sem resultado: as trancas de madeira resistiram comprovando a competência de Bastião da Rosa.

Deram volta em torno à casa, encontraram a entrada dos fundos, foi bem mais fácil. Depois de Manezinho ter atirado na fechadura sem sucesso, Chico Serra tomou distância, investiu contra a porta com toda a força do corpo, o trinco começou a ceder. Janjão completou o trabalho.

Dentro da casa acenderam os candeeiros, vento e chuva entravam pelo vão da porta. Pareceu-lhes desnecessário deixar um de sentinela, vigiando; cada qual mais conhecido, quem se atreveria a atacá-los?

 Serviram-se de cachaça bebendo pelo gargalo da garrafa; uma garrafa para cada um, os três estavam precisados.

Manezinho para limpar o pensamento, manter a cabeça fresca durante a ocupação delicada e trabalhosa da busca do tesouro: apesar da aparência bruta não lhe faltava perspicácia.

 Janjão devido à sede permanente a atormentá-lo. Chico Serra para sustentar o ânimo - sua especialidade era a tocaia, esconder-se atrás de um pé de pau à espera do indigitado para derrubá-lo com um tiro certeiro: não perdia vez.

Vasculharam a casa de ponta a ponta, de desvão a desvão.

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