sábado, dezembro 20, 2014

Conte nos dedos para não errar novamente.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 129


















De longe o espiou agachado no mato. Reencontraram-se na beira do rio, ela o fitou nos olhos:

- Não tive culpa.

-Tu me disse. Inda assim, fiquei com raiva.

Bernarda ajudou-o a tirar as calças, dissolviam-se as trevas e as estrelas, chegara o fim da noite. Não houvera ofensa nem descaso, injustiça ou ameaça.

Penas de bem-querer, dor-de-cotovelo: inda assim, fiquei com raiva, dava para chorar e para rir.

Na despedida Natário preveniu:

- Volto daqui a sete dias para passar a noite. Conte nos dedos para não errar de novo.

Se quis dar à voz entonação de ralho e de advertência, não conseguiu: com a mão afagava os cabelos da afilhada e na face imóvel do padrinho, carranca talhada na madeira, Bernarda enxergou a sombra tímida de um sorriso.

Instalado em Tocaia Grande, o negro Tição instituiu o dia de Domingo ao assinalar com acontecimento marcante e permanente o início da semana: congregou os habitantes num almoço.

Concorrendo para evitar tratantadas, pecados, desenganos, servindo ao comércio, à religião e à benquerença das criaturas.

Caçador inveterado, a mata lhe fornecia o necessário para
variar o de-comer. Amigueiro, nos dias de fartura destinava
parte da caça a presentear os moradores mais chegados, ora um, ora outro.

Tendo uma rapariga lhe perguntado o motivo por que não vendia em vez de dar - poderia embolsar um rico dinheirinho respondeu não ser aquele o seu oficio, ganhava a vida com o trabalho na oficina.

Tampouco cogitou de auferir lucro, não o moveu qualquer ganância quando decidiu fabricar carne-de-sol e a seguir dedicou-se a organizar o almoço dos domingos.

Pensou apenas em melhorar a bóia e em reunir o escasso povo do lugarejo.

Para fabricar carne-de-sol contou de imediato com o apoio de Fadul -quem sabe será um bom negócio? - e com a decisiva colaboração da preta Dalila de volta a Tocaia Grande.

Não houve de parte da suntuosa quenga segundas intenções quando se ofereceu para colaborar; nem por ser especialista, de prática comprovada, exigiu paga ou beneficio: colaborou de mão beijada.

Após o susto que raspara quando Janjão Fanchão ameaçou enrabá-la, a rapariga desaparecera, certamente em busca de paisagens menos adversas onde pudesse rebolar em paz o cobiçado fiofó.

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