Negro imaginoso e alegre... |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 123
Olhos arregalados, boca em exclamações e
riso, o negro acompanhava pelejas e intrigas, passo
a passo, apaixonadamente.
Não perdia
detalhe mesmo quando o levantino, ao referir lance empolgante,
para se explicar melhor explicava em árabe.
Acontecia uma rapariga sentar-se no chão
ao lado deles para ouvir e conversar; vez por outra mais de uma: duas ou três.
Então Castor puxava o canto, formava-se
a roda de coco, marcavam o ritmo com as mãos:
É de manhã
É de madrugada
Vamos tirar leite
Oh Maninha
Da vaca malhada.
As mulheres troçavam da pronúncia de seu
Fadul mas ele não ligava, persistia animadíssimo no coro: menino, no Líbano, cantara
na igreja da aldeia. Se coincidia Pedro Cigano estar presente com a harmónica,
elas pediam a Castor a mercê de uma cantiga: o negro conhecia um ror de
modinhas, tiranas e lundus, não se fazia rogar:
Se Deus me perguntasse
Que queres te seja dado
Quero viver na barra
De teu vestido encarnado.
Grave e quente a voz de Tição ressoava
nas matas e nas entranhas.
Extasiada, Zuleica, sirigaita trigueira
e cismarenta, garantia que os pássaros silenciavam nas árvores para ouvi-lo
cantar. Artes e mandingas de Castor Abduim,
ferrador de burros: silenciava os pássaros, enleava as cobras, rendia os
corações.
Negro imaginoso e alegre, feiticeiro,
sem ele que seria de Tocaia Grande?
4
Dantes, para saber a data do mês e o dia
da semana precisavam consultar a única folhinha existente em Tocaia Grande , pendurada
junto à porta no barracão de cacau seco.
Por sinal, um cromo que dava gosto ver:
paisagem hibernal de campo europeu, montanhas brancas de neve e um grande cão
peludo conduzindo ao pescoço um barrilete, coisa de admirar.
Colado sob a estampa um pequeno e volumoso
bloco constituído de páginas impressas que designavam a data e o dia, a
folhinha propriamente dita. Presente de Ano-Novo do coronel Robustiano de
Araújo ao velho Gerino, cabra fiel.
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