sábado, dezembro 13, 2014

Negro imaginoso e alegre...
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)




Episódio Nº 123

















Olhos arregalados, boca em exclamações e riso, o negro acompanhava pelejas e intrigas, passo a passo, apaixonadamente.

 Não perdia detalhe mesmo quando o levantino, ao referir lance empolgante, para se explicar melhor explicava em árabe.

Acontecia uma rapariga sentar-se no chão ao lado deles para ouvir e conversar; vez por outra mais de uma: duas ou três.

Então Castor puxava o canto, formava-se a roda de coco, marcavam o ritmo com as mãos:

É de manhã
É de madrugada
Vamos tirar leite
Oh Maninha
Da vaca malhada.

As mulheres troçavam da pronúncia de seu Fadul mas ele não ligava, persistia animadíssimo no coro: menino, no Líbano, cantara na igreja da aldeia. Se coincidia Pedro Cigano estar presente com a harmónica, elas pediam a Castor a mercê de uma cantiga: o negro conhecia um ror de modinhas, tiranas e lundus, não se fazia rogar:

Se Deus me perguntasse
Que queres te seja dado
Quero viver na barra
De teu vestido encarnado.


Grave e quente a voz de Tição ressoava nas matas e nas entranhas.

Extasiada, Zuleica, sirigaita trigueira e cismarenta, garantia que os pássaros silenciavam nas árvores para ouvi-lo cantar. Artes e mandingas de Castor Abduim, ferrador de burros: silenciava os pássaros, enleava as cobras, rendia os corações.

Negro imaginoso e alegre, feiticeiro, sem ele que seria de Tocaia Grande?

4

Dantes, para saber a data do mês e o dia da semana precisavam consultar a única folhinha existente em Tocaia Grande, pendurada junto à porta no barracão de cacau seco.

Por sinal, um cromo que dava gosto ver: paisagem hibernal de campo europeu, montanhas brancas de neve e um grande cão peludo conduzindo ao pescoço um barrilete, coisa de admirar.

 Colado sob a estampa um pequeno e volumoso bloco constituído de páginas impressas que designavam a data e o dia, a folhinha propriamente dita. Presente de Ano-Novo do coronel Robustiano de Araújo ao velho Gerino, cabra fiel.

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