Um primor da natureza... |
Por que se diz que
os olhos são o espelho da alma? – Porque, para além de serem órgãos de visão,
no caso particular da espécie humana, eles evoluíram para órgãos de comunicação
que permitem aos seus pares perceberem, através deles, pensamentos e estados de
alma.
Lembro bem, que quando era estudante,
preferia as provas orais às escritas porque nestas faltavam-me os olhos dos
professores para me orientarem na resposta.
Quando olhamos para uma pessoa, mesmo
a uma distância razoável, graças ao contraste entre a esclerótica (o chamado
branco do olho) e a íris, podemos ver com nitidez para onde os seus olhos estão
a apontar, independentemente do sítio para onde o seu rosto está virado.
De mais perto, podemos ver se os
olhos estão dilatados, graças ao contraste entre a íris e a pupila. Somos os
únicos, entre os primatas, que possui janelas através das quais os outros podem
olhar.
Os investigadores japoneses
examinaram noventa e duas espécies de primatas e descobriram que somos a única
na qual os contornos do olho e a posição da íris são claramente visíveis. Em
todas as outras a esclerótica é pigmentada de modo a fornecer um contraste
baixo. Além disso, em comparação com outros primatas, nos seres humanos a
porção do olho visível é desproporcionalmente grande e alongada no sentido
horizontal.
Os gorilas, por exemplo, sendo muito
maiores que nós a dimensão do olho exposto é mais pequena o que faz com que os
seus olhos se pareçam a contas, ou seja: enquanto os olhos dos outros primatas
evoluíram para serem “difíceis” de ver, para “ocultarem” e não “revelarem”
informação sobre eles próprios - qualquer coisa que será o equi valente natural, hoje, aos óculos escuros de sol
ou de janelas com as cortinas corridas – os dos humanos abriram-se à “leitura”
pelos outros do que vai dentro deles.
Com aqueles adereços pretendemo-nos
ocultar, esconder, ver sem sermos vistos, por outras palavras, favorecem a
segregação e não o igualitarismo que permitiu aos pequenos grupos humanos de
caçadores recoletores estabeleceram entre os seus membros a cooperação
desviando-se da sociedade dos chimpanzés.
Assim que o igualitarismo estabilizou
o suficiente nas primeiras comunidades dos nossos antepassados, logo a evolução
genética começou a conferir novas formas às nossas mentes e aos nossos corpos
de modo a funcionarem como jogadores de uma equi pa
em vez de entrarem em competição com membros do nosso próprio grupo.
Um cientista americano, Michael
Tomasello, está na linha da frente no estudo e investigação dos olhos dos
primatas. A sua base de estudo e centro de investigação encontra-se no Jardim
Zoológico de Leipzig onde comunidades de chimpanzés, bonobos, gorilas e
orangotangos, alojados separadamente em grandes instalações que recriam
condições naturais, estão a ser observados e estudados podendo os estudiosos
efectuar, paralelamente, investigação comportamental em crianças.
Mike desenvolveu aqui lo que designa por “hipótese do olho cooperativo”
para explicar como os nossos olhos se tornaram tão diferentes dos dos outros
primatas.
Todos os símios estão profundamente
cientes dos outros membros do seu grupo e atentos ao sítio para onde estão a
olhar, com base na orientação da cabeça. Contudo, a sua utilização desta
informação não é necessariamente cooperativa.
Numa sociedade onde os indivíduos
dominantes fuzilam com os olhos os seus subordinados, que não se atrevem a
devolver-lhes o olhar, a selecção natural favorece a ocultação da informação e
já que a direcção da cabeça não pode ser ocultada, a direcção do olhar pode
sê-lo minimizando a porção de olho exposta e o contraste entre a íris, a parte
branca do olho e o resto do rosto.
Numa sociedade igualitária torna-se
vantajoso para os membros da equi pa
partilhar informação, transformando os olhos, para além de órgãos de visão em
órgãos de comunicação.
A páginas 240 e seguintes do livro A
Evolução Para Todos, de David Sloan Wilson, encontrará a descrição do resultado
deste interessante estudo.
Entretanto, continuemos a
olhar-mo-nos, cada vez mais, “olhos nos olhos”porque talvez a informação que
transmitimos através deles seja mais genuína e verdadeira do que a outra, a da
palavra.
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