quarta-feira, dezembro 10, 2014

Os Bons e os Maus











O mundo em que eu nasci estava muito influenciado pelo que tinha sido o ocorrido na II G. G. Mundial.

Embora aqui no extremo da Europa, poupada às atrocidades da luta e vivendo num país cujo governante nunca escondera o seu favoritismo pelos vencidos, não há dúvidas que para nós, o mundo estava dividido entre “bons” e “maus” e os Americanos eram os representantes máximos dos primeiros, e os Alemães logo substituídos pelos Russos por causa da sua ideologia comunista, ateus e inimigos da propriedade privada, faziam parte dos maus.

Portanto, era tudo muito fácil, não havia dúvidas na escolha, o meu mundo era o dos bons, o dos americanos.

Dúvidas também não tinha o Sr. Emílio, que estava hospedado na mesma casa em que, por essa altura, 1961, o meu pai me alugara um quartinho, nos meus tempos de estudante, ali ao Príncipe Real, em Lisboa.

O nosso bom Sr. Emílio tinha dois amores na sua vida, a ópera e os americanos. Nascido na Suíça, no cantão alemão, distribuíra os seus oitenta anos por vários países da Europa, Itália, França, Espanha e finalmente Portugal, sempre a fugir à guerra, à procura de um ambiente social em que pudesse viver em paz espraiando o seu enorme sorriso e a permanente e contagiante alegria e boa disposição.

O Sr. Emílio não tinha dúvidas, os bons eram os americanos. Tinham sido eles os principais responsáveis por terem trazido a paz para a sua Europa. Que ninguém lhe dissesse mal deles porque então ele zangava-se mesmo perante tamanha injustiça.

Para além do mais, os americanos que tinham sido decisivos na vitória dos aliados libertando-nos desse pesadelo chamado Hitler e ao contrário dos Russos, partilhavam dos nossos valores quer em termos morais, religiosos e políticos.

Os meus heróis na juventude eram quase todos americanos por causa dos filmes de guerra postos a correr ainda na década de 40 e 50 quando o cinema era o grande veículo de formação para além dos livros de aventuras de Emílio Salgari e de Júlio Verne.

Hoje, passados tantos anos, uma vida pode dizer-se, está tudo muito complicado quando se trata de escolher entre os bons e os maus que, afinal, estão por todo o lado e misturados.

Através do Relatório da CIA ficamos agora a saber dos actos de tortura infligidos pelos americanos sobre os prisioneiros durante os oito anos seguintes ao ataque sobre as Torres Gémeas, num atentado aos Direitos Humanos e desrespeito pela natureza humana.

Lembrei-me do Sr. Emílio, há mais de meio século, e de como ele ficaria triste se soubesse deste comportamento dos seus “queridos” americanos.

Parabéns pela divulgação pública do Relatório. Nem tudo é mau...

Site Meter