quarta-feira, janeiro 28, 2015

Misael pediu perdão para salvar a vida.
TOCAIA GRANDE
 (Jorge Amado)



Episódio Nº 159
















O boiadeiro e o tangerino se avacalharam -  verbo apropriado por todos os motivos. Bafo de onça, ronco de porco, dissera Gerino que o conhecia de outras malfeitorias: posto de joelhos Misael pediu perdão para salvar a vida.

Castor e Lupiscínio equilibraram sobre os ombros as pontas da longa vara de bambu enfiada entre os punhos da rede e a conduziram.

O acompanhamento misturou lágrimas e risos; referiram-se à morta com benevolência, não lhe cobraram os azeites, os maus bofes; louvaram-lhe a valentia, a sinceridade, o doce de jaca, o de rodelas de banana e o licor de jenipapo. No silêncio do caminho para o cemitério, o negro Tição rememorou detalhes de conversas, o convento em São Cristóvão, o vinho de missa, o sino grande e o bom frei Nuno cachopando.

Sorrira à lembrança e, na hora do corpo baixar à cova, perguntou:

- Quem sabe dizer uma oração? Ela viveu num convento, foi quase freira. Pagava a pena rezar por ela.

Fizeram mais de uma tentativa porém ninguém soube oração inteira do começo ao fim, nem sequer a curta ave-maria.

Merência perdoara a pecadora, como ensina e ordena a caridade, mas não a ponto de comparecer ao cemitério. Ainda assim a alma de Cotinha não subiu ao céu - se é que existe um céu das putas – sem a chave de uma prece que lhe abrisse as portas.

Cobrindo fragmentos do padre-nosso e da salve-rainha, elevou-se o vozeirão de Fadul Abdala. Na meninice fora coroinha a serviço do tio padre na aldeia libanesa. Recitou em árabe com unção e sentimento, dava gosto ouvi-lo, vontade de chorar.

Epifania não se conteve, rompeu em soluços. Apenas regressaram o sol sumiu, o inverno retornou.

14

Epifânia não esperou o fim do inverno para mudar de terra.Brincara o São João e o São Pedro, disse a quem quis ouvir nunca ter se divertido tanto.

Na noite de São João acenderam-se as fogueiras em frente aos casebres, várias; os vizinhos visitaram-se. O descampado iluminou-se com os foguetes, os busca-pés, as espadas, as rodinhas, as estrelinhas, os fósforos de cor, azuis, verdes, vermelhos, sulferinos, tão bonitos.

Comeram e beberam com fartura e as raparigas confessaram embevecidas: não existia puxador de quadrilha capaz de se medir com Castor Abduim: não fosse o negro mestre em estrangeirices.

Site Meter