Misael pediu perdão para salvar a vida. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 159
O boiadeiro e o tangerino se avacalharam
- verbo apropriado por todos os motivos.
Bafo de onça, ronco de porco, dissera Gerino que o conhecia de outras malfeitorias:
posto de joelhos Misael pediu perdão para salvar a vida.
Castor e Lupiscínio equi libraram sobre os ombros as pontas da longa vara
de bambu enfiada entre os punhos da rede e a conduziram.
O acompanhamento misturou lágrimas e
risos; referiram-se à morta com benevolência, não lhe cobraram os azeites, os maus
bofes; louvaram-lhe a valentia, a sinceridade, o doce de jaca, o de rodelas de
banana e o licor de jenipapo. No silêncio do caminho para o cemitério, o negro
Tição rememorou detalhes de conversas, o convento em São Cristóvão , o
vinho de missa, o sino grande e o bom frei Nuno cachopando.
Sorrira à lembrança e, na hora do corpo
baixar à cova, perguntou:
- Quem sabe dizer uma oração? Ela viveu
num convento, foi quase freira. Pagava a pena rezar por ela.
Fizeram mais de uma tentativa porém
ninguém soube oração inteira do começo ao fim, nem sequer a curta ave-maria.
Merência perdoara a pecadora, como
ensina e ordena a caridade, mas não a ponto de comparecer ao cemitério. Ainda
assim a alma de Cotinha não subiu ao céu - se é que existe um céu das putas – sem
a chave de uma prece que lhe abrisse as portas.
Cobrindo fragmentos do padre-nosso e da
salve-rainha, elevou-se o vozeirão de Fadul Abdala. Na meninice fora coroinha a
serviço do tio padre na aldeia libanesa. Recitou em árabe com unção e
sentimento, dava gosto ouvi-lo, vontade de chorar.
Epifania
não se conteve, rompeu em
soluços. Apenas regressaram o sol sumiu, o inverno retornou.
14
Epifânia não esperou o fim do inverno
para mudar de terra.Brincara o São João e o São Pedro, disse
a quem qui s ouvir nunca ter se
divertido tanto.
Na noite de São João acenderam-se as
fogueiras em frente aos casebres, várias; os vizinhos visitaram-se. O
descampado iluminou-se com os foguetes, os busca-pés, as espadas, as rodinhas, as
estrelinhas, os fósforos de cor, azuis, verdes, vermelhos, sulferinos, tão
bonitos.
Comeram e beberam com fartura e as raparigas confessaram embevecidas:
não existia puxador de quadrilha capaz de se medir com Castor Abduim: não fosse
o negro mestre em estrangeirices.
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