Podiam ser as jovens entrevistadas |
Duas Muçulmanas
Dois Discursos
Olim Said, 22 anos, está com quatro
amigas do Senegal e do Mali na Boutique La Rose
D ´Orient entre o 9º e o 18º Bairro, a escolher um vestido para
o seu casamento.
Estão todas com o traje islâmico que
deixa apenas mãos e rosto a descoberto, cada um da sua cor, parecem um arco-
íris.
Olim usa uma máscara das que se utilizam
para evitar contágio de doenças mas, ao contrário, deve ser apenas uma forma de
contrariar a proibição do véu integral decretada em 2010 na França.
Começa por recusar a entrevista dizendo:
-
“Falar com jornalistas não é boa ideia. Distorcem tudo
o que dizemos” mas como a jornalista
insiste ela debita um discurso veloz, num francês perfeito, orgulhoso,
cortante:
-
“Dizer que se é pela liberdade é muito bonito, mas não
se pode fazer pouco de tudo. Já viu o que é para nós, para quem o profeta é
mais importante e precioso que a nossa mãe, o nosso pai, toda a nossa família,
ver uma imagem dele nu? Isso não pode fazer-se. Não está certo. O que aconteceu
foi trágico, mas... os cartoonistas pensaram nos sentimentos dos muçulmanos ao
ver aqui lo?
E mais: dizem
que se manifestam pela liberdade, mas negam a liberdade aos muçulmanos. Em quê?
Olhe, por exemplo, proíbem-nos de nos vestirmos como queremos. Se uma mulher
quer andar de niqab, - véu que cobre a cara e só deixa os olhos à vista - é uma escolha dela, uma decisão dela, porque
é que querem restringir-lhe os direitos? E quando andamos assim vestidas
mandam-nos olhares de desprezo e ódio. É isto a liberdade?
Eu sou francesa, somos
francesas, nascemos aqui , mas não
temos os mesmos direitos, a mesma liberdade de decidir a nossa vida. Falam de
liberdade mas não é para todos. E agora decretaram que somos todos
terroristas...
Uma senhora, de uns 60 anos que escuta a
entrevista interrompe:
- Dão-me
licença que diga uma coisa?
Olim e a irmã Lali de 20 anos reagem:
-
Estamos a falar nós, pode esperar? Mas a
senhora não desarma:
- Eu pedi licença. Estão a falar com uma jornalista, não
posso também falar?
Agressiva, Lalia retorque: “Foi ela que nos abordou e pediu a opinião. Mas já acabámos,
de qualquer maneira temos de ir embora”
e despedem-se num misto de dureza e simpatia com que responderam às perguntas.
Leila, a senhora que as interrompeu
espera junto à porta.
“Também sou
muçulmana mas ouvi ali coisas que não posso deixar passar em claro. Elas queixam-se
de falta de liberdade? Mas têm toda a liberdade. Podem usar véu, podem usar o
que qui serem, fazerem o que qui serem. Irrita-me muito
ouvir estas coisas. Não podem usar o niqab, queixam-se disso mas o Corão não
diz em parte nenhuma que as mulheres têm de andar assim. Esse traje é para as
mulheres do profeta, será que elas se acham com esse estatuto?” Ri.
“Eu sou a favor da proibição
do véu integral, não sabemos quem vai lá por baixo, homem ou mulher... Tem sido
usado para atentados terroristas. Estas pessoas...dá-se a mão e querem o braço.
E viu como me atacaram todas ao mesmo tempo? Mesmo pedindo licença caíram-me em cima. Repare , eu sou
argelina, fugi da Argélia por causa do fundamentalismo. Não me deixavam
trabalhar porque me recusava a usar o véu e agora sinto que me apanhou outra
vez...
Discursos diferentes, muito diferentes,
como se percebe, entre muçulmanas de gerações e experiências de vida também diferentes,
mas todas francesas, todas de Paris, que vão às compras às mesmas lojas.
A religião do profeta divide os
muçulmanos não só entre sunitas e xiitas, como é sabido, desde a origem mas, principalmente, pela maneira como cada um vive e interpreta os preceitos religiosos que estão no Corão e outros que nem sequer lá constam.
Tal como no judaísmo ou no cristianismo, há maneiras substancialmente diferentes de viver a mesma religião consoante o grau de religiosidade de cada um.
Os piores de todos são os fundamentalistas, radicais, para quem a vida não existe fora da religião e são esses excessos das religiões que constituem uma espécie de cruz da humanidade.
Para eles, e isto é agora mais verdadeiro no Islamismo, os que não respeitam as regras são hereges, o seu crime é chamado de blasfémia e é castigado com violência física, privação da liberdade e a própria vida.
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