Palavrão
Por
Millôr Fernandes (para maiores de 18 anos),
advertência desadequada e ridícula
nos tempos que correm.
O nível de stress de uma pessoa é
inversamente proporcional à quantidade de (foda-se!) que ela diz.
Existe algo mais libertário do que o
conceito do “foda-se!?”
O “foda-se!” aumenta a minha
auto-estima, torna-me uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas, liberta-me.
- “Não quer sair comigo?” então,
“foda-se!”
- “Vai querer mesmo decidir essa
merda sozinho(a)?! então, “foda-se!”
O direito ao “foda-se” deveria estar
assegurado na Constituição.
Os palavrões não nasceram por acaso.
São recursos extremamente válidos e criativos para dotar o nosso vocabulário de
expressões que traduzem com maior fidelidade os nossos mais fortes e genuínos
sentimentos.
É o povo a fazer a sua língua. Como o
latim vulgar, este virá a ser o português vulgar que vingará, plenamente, um
dia.
“Comó caralho”, por exemplo. Que
expressão traduz melhor a ideia de muita quantidade do que “comó caralho”?
“Comó caralho” tende para o infinito,
é quase uma expressão matemática.
A Via Láctea tem estrelas comó
caralho!
O Sol está quente comó caralho!
O universo é antigo comó caralho!
Eu gosto do meu clube comó caralho!
O gajo é parvo comó caralho!
Entendes?
No género do “comó caralho” mas, no
caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso “nem que te fodas”.
Nem o não, não e não e tão pouco o nada é eficaz e sem nenhuma credibilidade,
“não, nem pensar!” o substituem.
O “nem que te fodas” é irretorquível
e liqui da o assunto. Liberta-te, com
a consciência tranqui la, para outras
actividades de maior interesse na tua vida.
Aquele pintelho, de 17 anos, que lá
tens em casa, atormenta-te pedindo o carro para ir surfar na praia? Não percas
tempo, nem paciência, solta logo um definitivo: “Huguinho, presta atenção,
filho querido, nem que te fodas! O impertinente aprende logo a lição e vai para
o Centro Comercial encontrar-se com os amigos, sem qualquer problema e tu
fechas os olhos e voltas a curtir o CD…
Há outros palavrões igualmente
clássicos. Pense na sonoridade de um “pu-ta-que-o-pa-riu”, falando assim,
cadenciadamente, sílaba por sílaba.
Diante de uma notícia irritante um
qualquer “puta-que-o-pariu”, dito assim, põe-te outra vez nos eixos. Os teus
neurónios têm o devido tempo e clima para se reorganizarem e encontrarem a
atitude que te permitirá dar o devido troco ou livrares-te de maiores dores de
cabeça.
E o que dizer do nosso famoso “vai
levar no cu”? E a sua maravilhosa e reforçadora derivação, “vai levar no olho
do cu”? Já imaginaste o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando,
passado o limite do suportável, se dirige ao canalha do seu interlocutor e
solta: “Chega, Vai levar no olho do cu!”
Pronto, retomaste as rédeas da tua
vida, a tua auto estima, desabotoas a camisa e sais à rua, vento batendo na
face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado
amor íntimo nos lábios.
E seria tremendamente injusto não
registar aqui a expressão de maior
poder de definição do Português Vulgar: “Fodeu-se!” e a sua derivação ainda
mais devastadora: “Já se fodeu!”
Conheces definição mais exacta,
pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de
ameaçadora complicação? Expressão, inclusive, uma vez proferida insere o seu
autor num providencial contexto interior de alerta e auto-defesa.
Algo assim como quando estás sem
documentos do carro, sem carta de condução e ouves uma sirene da polícia atrás
de ti a mandar-te parar. O que dizes: “Já me fodi!” Ou quando te apercebes que
és de um país onde quase nada funciona, o desemprego não baixa, os impostos são
altos, a saúde, a educação, a justiça são de baixa qualidade, tal como os
empresários que procuram lucro fácil e rápido, as reformas são baixas, o tempo
para a reforma aumenta…o que é que tu pensas? Já me fodi!
Então:
-Liberdade,
- Igualdade,
- Fraternidade,
- E… Foda-se!!!
Mas…não desespere, este país ainda
vai ser “um país do caralho”!
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home