Deus pode tudo, Capitão. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 169
Dantes não dava pé porque as roças ainda
tavam crescendo. Já pensou, compadre, essas roças todas
carregadas? É um mundo sem porteira.
Tocaia Grande vai deixar de ser uma tapera,
um lugarejo. Já e já passa Taquaras para trás. Escreva no papel, se duvidar.
- Deus pode tudo, Capitão. Quando é que
o nobre amigo vai arrumar os sergipanos?
- Qualquer dia desses, Fadul. Quando
menos se esperar. Assim dissera de manhã, ao passar por Tocaia Grande vindo da
Fazenda da Atalaia.
Quando menos se esperar: parecia mesmo de
propósito, coisa
combinada. Pena não poder ver a cara do turco à chegada do rancho: o espanto,
os gestos, o vozeirão.
O diálogo com Deus sobre a singular
coincidência. O Deus de Fadul Abdala era um ente próximo, quase membro da
família, amigo poderoso porém íntimo, sócio nos negócios.
O Capitão estimava Fadul, turco ladino,
bom de prosa e de folgança, comerciante astuto, uma fera no trabalho: mascate
afamado nas roças e fazendas, continuavam a lastimar sua falta.
Enxergando longe, estabelecera-se em Tocaia Grande no
entusiasmo do crescente movimento de tropas e passantes. Atravessara
sem uma queixa o tempo das vacas magras, suportara as sete
pragas sem arrepiar caminho, alegre compadre e
companheiro.
A FAMÍLIA DE SERGIPANOS CHEGA A TOCAIA
GRANDE E O CAPITÃO NATÁRIO DA FONSECA
INICIA
A CONSTRUÇÃO DE CASA PRÓPRiA
1
A manhã ia alta e as duas raparigas, a
velha Jacinta Coroca e a moça Bernarda, calentavam o sol do
verão na porta da casa de madeira mandada construir por ordem do capitão
Natário da Fonseca.
Jacinta remendava trapos de vestir;
Bernarda penteava a negra e basta crina, seus cabelos eram belos e ela o sabia.
Examinava-os fio por fio, em busca de
lêndeas.
Desviando a atenção da delicada tarefa
de renovar a linha na agulha, Coroca olhou de través para a companheira, rompeu
o silêncio e a qui etude:
- Mulher da vida que emprenha não tem
competência. Mais valia ter ficado na roça quebrando coco de cacau.
Disse em voz baixa, apenas audível. Em
voz baixa prosseguiu na conversa de sotaque, compassado resmungo; a vista presa
à costura, como se falasse para si própria e para mais ninguém.
Da mesma maneira Bernarda a ouvia; como
se nada ouvisse e ainda perdurasse o sossego da manhã.
- Por que diabo ela havia de pegar
barriga? Vai ver e ela nem sabe quem é o pai do desinfeliz. Sabe coisa nenhuma!
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