Tu não sentia nada com ele? |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 171
Por entre os fios da cabeleira solta
sobre o rosto, Bernarda acompanhou o olhar de Jacinta vagando sem rumo. Contra
a claridade, os olhos pareciam vazios, olhos de cego. Coroca retornou à
costura, a ladainha recomeçou:
- Tivesse perguntado, eu tinha ensinado.
Bastava ela dizer: Jacinta, como é que a gente faz pra não
pegar filho? Mas, cadê, ela perguntou? Escusava estar aí de barriga, sem saber
quem é o pai da criança.
Começara a remendar uma anágua, lançou
outro olhar de viés para o ventre intumescido da rapariga, abrandou a voz:
- Também não é motivo para ela se
amofinar. Conheço a receita de uma garrafada feita com folhas que a gente cata
no mato, é tiro e queda. A fulana bebe e no mesmo dia, com poucas horas, bota
tudo pra fora, no carrego do boi, não fica nem rastro,
Tem de tomar dentro d’água, na hora do
banho. Aprendi com a finada Cremilda que pegava menino a três por dois, não que
qui sesse, mas porque ela era assim,
emprenhava no bafo dos homens.
Pois bem: tantos pegou, tantos devolveu.
Fitou a moça de frente: companheira de
casa e de ofício, tão
moderna, sem um pingo de juízo. Coroca
não podia permitir tamanho desatino:
- Tou falando com tu, tenho idade pra
ser sua avó. Preparo a garrafada ainda hoje, é ruim de gosto mas lava o bucho.
Tu toma no meio
da tarde, amanhece de barriga limpa. Tá ouvindo?
Bernarda levantou a cabeça, jogou os
cabelos para trás e finalmente enfrentou o olhar da tagarela:
- Vosmicê me desculpe mas não vou beber
garrafada nenhuma para esvaziar a barriga, não tome trabalho de ir pro mato catar
folha. Sei que vosmicê não fala por mal, fala na tenção de me ajudar. Só que eu
peguei menino porque qui s pegar, não
foi por ignorância.
Cadê que peguei mentres Pai dormiu
comigo?
Não queria ter filho dele: quando Pai
abria minhas pernas, eu fechava o resto do corpo.
- Tu não sentia nada com ele?
- Vosmicê pode não acreditar, pensar que
tou mentindo.
Das primeiras vez, me dava raiva, só
fazia chorar. Depois, nem isso.
- Fez um gesto com o ombro espantando
aqueles amargores passados: - Nem quero me lembrar, agora não me importo com mais
nada afora o menino que tá na minha barriga.
Peguei porque qui s
e vou parir ele, ninguém vai empatar. Ninguém, no mundo.
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