Vou indo como Deus permite |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 179
Zilda trouxera com ela dois filhos: Edu, o mais velho, moleque taludo de treze anos, a figura do pai cagada e cuspida, e o último, nascido no fim das lutas, pouco depois de Natário ter ganho as tarefas de terra onde plantara as roças de cacau, afilhado do coronel Boaventura e de sua nédia e santa esposa, dona Ernestina.
Em honra da madrinha recebera na pia
batismal o nome de Ernesto.
Delicada de corpo, frágil de aparência,
em verdade saudável e disposta, Zilda desembarcou arregaçando a barra da saia.
A afilhada beijou-lhe a mão:
- A bênção, minha dinda.
- Deus te abençoe, minha filha. Bom dia,
Coroca, tu tá cada vez mais forte.
- Vou indo como Deus permite.
Natário desmontara, afrouxava a cilha da
mula. Pretendia prosseguir viagem apenas houvesse mostrado a Zilda a colina
onde iam erguer a casa à beira do pé de mulungu.
Ernesto desceu do carro arrastando um
cachorrinho amarrado com uma corda. Assustado, o animal resistia, mostrava os
dentes.
Tocando com a ponta dos dedos a mão
estendida de Castor Abduim, presente à recepção, Zilda comunicou:
- É uma cadelinha que trouxe pra
vosmicê, seu Tição. Tá com um mês de nascida; Negrinha teve uma ninhada de
seis. Diz que vosmicê tem um cachorro, tá aí uma mulher pra ele.
Riu um riso breve, agradável. Os que a
conheciam apreciavam a maneira como ela cuidava da casa e criava os filhos, os
de sangue e os recolhidos: mulher como se requeria para um tal marido.
Devotada, discreta e decidida.
- Vai ter que esperar ela
crescer... - Avisou o negro a Alma
Penada que saltava em torno, indócil.
Tição afagou o focinho da cadelinha,
coçou-lhe a barriga e a colocou no chão. Alma Penada tocou-a com a pata, rosnou
de brincadeira. Oferecida, disse Tição assim designando-a por tê-la recebido de
presente e por vê-la, minúscula e atrevida, saltitar provocando o vira-lata.
Puxando Edu pela orelha, também Natário
dirigiu-se a Castor:
- Vancê vai ganhar de troco esse moleque
aqui , o meu mais velho, Eduardo. Vai
ficar com vancê pra aprender o ofício.
Faça dele um bom ferreiro como ocê.
- Pode deixar por minha conta.
- Vam’entrar. — Convidou Coroca.
No fogo a lata com o café recém-coado. O
de-comer sobren a mesa improvisada num caixão de querosene: fruta-pão cozida, carne-seca
chamuscada, farinha, inhame, jaca mole e mangas coração-de-boi, verdes de cor,
maduras de gosto, grandonas, incomparáveis. Mal provaram do banquete pois
Natário dava pressa:
- Vambora que eu quero me tocar pra
roça. Ocês vão ter muito tempo pra conversar.
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