sexta-feira, março 27, 2015

A fidalga não era mais cabaço...
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Epidódio Nº 208


















Tocaia Grande não passava de um ponto de pernoite de tropeiros quando para ali ele viera, contratado para construir, em regime de empreitada e de sociedade com Lupiscínio, a casa de madeira do Turco Fadul Abdala que resolvera aposentar a mala de mascate.

Tendo se dado bem, ficara em definitivo, gostava do lugar. Detendo-se em constantes temporadas nas fazendas próximas, contratado para levantar barcaças, cochos e estufas, deixara crescer bigode e barba, podia passar por gringo se quisesse, bastava engrolar a língua.

Em Tocaia Grande empatava com Tição no favor das putas. Transcorria porém o tempo e Bastião da Rosa continuava solteiro, nem mesmo pensara em amigar-se apesar de não ter faltado quem se insinuasse, inclusive Maria Beatriz Morgado, prima pobre de dona Carmem Morgado de Assis Godinho e, por afinidade, do coronel Enoch de Assis Godinho - pobre porém fidalga.

Bastião demorara-se na Fazenda Godinho, mestre-deobras à frente da reforma da casa-grande, e por desfastio passara nos peitos dona Maria Beatriz: a fidalga não era mais cabaço, o primo rico colhera-o também por desfastio.

Não fosse assim e a prima pobre, já trintona, ostentando um buço respeitável, sobraria intacta para os vermes.

Enrabichada, a dona quis abandonar a cama e a comida que os primos lhe forneciam por caridade - em troca ela se ocupava na arrumação da casa, fiscalizava o trabalho das criadas e cuidava dos meninos - para ir viver com Bastião sem exigir sequer papel passado, nem dar satisfação aos preconceitos, à jactância, às merdices dos Morgados e Godinhos.

Bastião da Rosa desconversou, tirou o corpo fora, não desejava apodrecer numa encruzilhada, vítima de tocaia, por causa de mulher.

Atravessara o rio em companhia de Guido, atendendo convite do velho Ambrósio e de José dos Santos para discutir sobre a construção de uma casa de farinha: não reconheceu Diva ao encontrá-la cavoucando a terra, enxada em punho.

Pensou que se tratasse de uma das filhas de José dos Santos. Eram três, valendo cada uma delas por um homem disposto no trabalho; duas ainda bem modernas e uma mais idosa, cega de um olho, Ricardina.

Nem por isso deixava de encontrar quem a quisesse: havia sido vista aos trancos e barrancos com Dodô Peroba, um tipo meio pancada que viera parar naquelas bandas ninguém sabe como nem por quê. Somente pelos passarinhos não podia ser.

 Encomendara uma cadeira de barbeiro a Lupiscínio, no fiado, para pagar quando pudesse: dedicava-se a cortar cabelo e a fazer barba. Segundo o capitão Natário da Fonseca, que se tomara seu freguês, a cadeira de barbeiro de Dodô Peroba era uma prova a mais de evidência alvissareira: Tocaia Grande ganhava foros de povoação adiantada.


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