sábado, março 28, 2015

O suor escorrendo pela testa: era um desparrame de mulher.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 209

















Contratado com frequência, assim como os demais mestres pedreiros e carpinas, para construir benfeitorias nas fazendas, Bastião da Rosa pouco parava em Tocaia Grande, fazia meses que não via a filha de Ambrósio.

Recordava-se da moleca calada e magricela, as tranças penduradas, correndo picula com os meninos, vendendo na feira ao lado dos pais e dos irmãos.

Não podia ser a mesma que ele enxergava em sua frente, o busto erguido, a saia arregaçada, cavoucando a terra com a enxada, o suor escorrendo pela testa: essa era um desparrame de mulher: nova, viçosa e tão bonita, com que se parecia? Com as verdejantes plantações de mandioca.

Antes, o mato crescia ressequido na capoeira, chão de espinhos e de cobras. Com a vinda dos sergipanos floresciam roçados de feijão, campos de milho e mandioca, latadas de maxixe e de chuchu. Tudo se transformara. Não apenas a terra, também o povo.

Jãozé, Dinorá e o filho que por pouco não morrera no caminho.

O sombrio Agnaldo e sua mulher Lia: chegara prenha, botando os bofes pela boca. Aurélio e Nando, sem falar no casal de velhos, batidos e humilhados. Os corumbas enxotados de Maroim remanesciam grapiúnas, uns porretas no trabalho.

A criança que Lia desovara nas mãos de Coroca, a primeira a nascer em Tocaia Grande, era um bitelo.

Ambrósio e José dos Santos detalhavam planos para a casa de farinha, Lupiscínio escutava e discutia. Bastião da Rosa fazia menção, os olhos na moça debruçada sobre a terra, iluminada de sol, o rosto de santa, um corpo de rainha: com aquela, sim, valia a pena se amigar.

7

Com Castor Abduim não se passou assim, tão de repente, nem por isso a surpresa e o sobressalto foram menores. A revelação se deu alguns dias após a mudança da família do capitão Natário da Fonseca para a residência construída no alto da colina: a principal de Tocaia Grande pelo tamanho, pelo conforto e pela situação.

Carregando um boca-pio na cabeça, Diva galgava a subida, íngreme porém bem calçada de pedregulhos para permitir o passo das alimárias mesmo na estação das chuvas. Em troca seria fácil fechar-lhe o acesso aos estranhos, bastava colocar um homem de carabina em punho em qualquer das viradas da rampa tortuosa.

 Por casualidade, passando em direcção do rio, ele a viu subindo e espantado se deteve: simplesmente não podia ser Diva, recusava- se a crer nos próprios olhos. Mas era Diva, sim, não era outra: tendo parado a ajeitar a cesta, ela o percebera embaixo a espiar, boquiaberto: sob a saia apareciam as coxas nuas.

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