quinta-feira, março 05, 2015

Um homem de bem como existem poucos
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)



Episódio Nº 190


















- Com sua licença, Coronel.

Quantas vezes ouvira aquela frase? Natário agia com sua licença e com absoluta correção. Jamais abusara ou se prevalecerara.

O Coronel balançou a cabeça de acordo, acrescentou:

- Tu cuida de minhas terras e zela por meu nome. Administrador capaz e responsável, Natário proporcionou ao coronel Boaventura Andrade cacau superior - nem uma só arroba good ou regular - e em quantidade bem maior que a calculada pelos entendidos: ao verificar os números, o doutor Clóvis Bandeira, o citado engenheiro-agrônomo, ficara de queixo caído, felicitara o fazendeiro.

Proprietário, cacauicultor, oficial da Guarda Nacional com a
Patente de Capitão, nem assim Natário se desleixava dos interesses do patrão: como se a Fazenda da Atalaia lhe pertencesse, chão e benefícios.

Sem deixar de cuidar com idêntico capricho de suas roças, simples fazendola na medida dos alqueires. Fazendola em outras mãos que não as suas. Nas dele, capitão Natário da Fonseca, a Fazenda Boa Vista.

2

Sentado na cadeira de braços à cabeceira da comprida mesa
da sala de jantar da casa-grande da Fazenda da Atalaia, o coronel Boaventura Andrade percorreu com o olhar os excelentíssimos senhores presentes, convivas escolhidos a dedo e, elevando a voz, dirigiu-se a Natário.

Interrompendo sem cerimónia a eloquência do Promotor Público de Itabuna que exaltava as iguanas: uma besta o Promotor!

- Tu é um homem direito, compadre Natário. Declarou. Doutor Flávio Rodrigues de Souza, bom de acusação no Tribunal do Júri, silenciou em meio à frase quando, estalando a língua, em nome da justiça, classificava o sarapatel de manjar dos deuses.

 Silenciaram todos os demais. O Coronel disse e redisse para que não restassem dúvidas:

- Um homem de bem como existem poucos.

Para que todos os convidados - a nata de Ilhéus e de Itabuna, de Sequeiro de Espinho e de Água Preta - soubessem quanta consideração ele dispensava a quem a merecera por lhe ser leal e devotado durante mais de vinte anos.

 - Quantos, compadre?

- Já passou dos vinte, Coronel.

Tu era um frangote mas eu logo vi que tu merecia confiança. Tu nunca desmereceu nesse tempo todo. Afirmação peremptória mas o Coronel ainda não terminara de falar e de ouvir:

- Me disseram que tu fez casa fora da Atalaia onde vai morar com a comadre e os meninos. Tu pensa me deixar?

- Enquanto o Coronel for vivo e tiver contente com meus préstimos, sou homem seu, cativo. Mas é verdade que vou morar no meio do caminho entre a Atalaia e a Boa Vista.

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