Vítima de mau olhado andava zonzo e adulado... |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 227
Iemanjá de Sergipe, dona das praias de coqueiros e das alvuradas salinas, a doce Inaê, mãe e esposa, feita para a prenhez e o parto. Iemanjá significa fecundação e permanência. Foi ela quem pariu os encantados quando se entregou a Aganju no começo dos começos, no principio do mundo.
Ele, Castor Abduim da Assunção nascera filho
de escravos e se fizera negro forro e safo, homem livre, sem amo e sem patrão;
protegido de Oxalá, tinha o desejo de um filho, ao menos um: com Alma Penada
não bastava.
Não aprendera o medo nem mesmo quando os
capoeiras o buscavam para matá-lo por ordem do Senhor Barão. Não sabia o que
fosse a timidez, se mostrava como o sol se mostra, impulsivo e ardente.
Assim proclamavam as mulheres, expondo-o na
berlinda em rodas de prosa e de enredo: Castor Abduim, capeta reinador.
Muito ao contrário, diante de Diva
parecia outro, não era o mesmo Tição, risonho ferrador de burros, mestre
ferreiro de mão destra, sedutor de raparigas, mucamas e fidalgas, a cujo
desassombro as encantadas se rendiam, submissas.
Vítima de mau olhado andava zonzo o adulado
Príncipe de Ébano, o disputado tição aceso. Doente de banzo, perdera a graça e
o ímpeto.
Iemanjá viera do mar para dar-lhe medida
diferente, fazê-lo medroso e tímido, acovardado. Cadê a coragem de ir buscá-la,
tomá-la pelo pulso e trazê-la cativa?
Onde seu riso aberto, sua frase direta,
o sol de sua cara larga, de narinas fortes e beiços grossos, de olhos daniscos?
O que se passa com o negro Castor Abduim da Assunção, atacado de banzo,
rastejando aos pés de uma branca? Branca?
Tinha cabelos longos e cútis pálida; no
engenho, em Santo Amam ,
seria mulata-branca.
A sereia nadava entre as ondas sob um
céu de estrelas. Castor cinzelou ainda - seu cinzel era um prego caibral - a
lua minguante, pois a lua comanda o mar na ausência de Janaína.
Estava pronto o abebê onde ela se mirar
e se reconhecer. Não, não podia continuar naquela apatia, um frouxo, um pamonha,
embeiçado, perdendo tempo em namoro de caboclo, de olhares fugidios e
adivinhadas intenções.
Tinha de voltar a ser o negro voluntarioso, altaneiro e ufano, o quanto antes.
Não fora para rojar-se assim banzeiro
que pusera cornos no Barão, senhor de engenho, régulo da vida e da morte, que
prevalecera no leito de madama, na esteira da comborça, e por fim lhe quebrara
a cara.
Não fora para render-se de mão beijada a
uma branquela, barata descascada, àquela que desejava para mãe de seus filhos,
avó de seus netos, dona de sua casa.
Precisa fazer um despacho para Omolu, o velho,
também conhecido por Obaluaiê, pai do banzo e da bexiga, da maleita e da febre
sem nome, para que ele lhe restitua a saúde e a força.
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