terça-feira, abril 21, 2015

Vítima de mau olhado andava zonzo e adulado...
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 227



















Iemanjá de Sergipe, dona das praias de coqueiros e das alvuradas salinas, a doce Inaê, mãe e esposa, feita para a prenhez e o parto. Iemanjá significa fecundação e permanência. Foi ela quem pariu os encantados quando se entregou a Aganju no começo dos começos, no principio do mundo.

Ele, Castor Abduim da Assunção nascera filho de escravos e se fizera negro forro e safo, homem livre, sem amo e sem patrão; protegido de Oxalá, tinha o desejo de um filho, ao menos um: com Alma Penada não bastava.

Não aprendera o medo nem mesmo quando os capoeiras o buscavam para matá-lo por ordem do Senhor Barão. Não sabia o que fosse a timidez, se mostrava como o sol se mostra, impulsivo e ardente.

Assim proclamavam as mulheres, expondo-o na berlinda em rodas de prosa e de enredo: Castor Abduim, capeta reinador.

Muito ao contrário, diante de Diva parecia outro, não era o mesmo Tição, risonho ferrador de burros, mestre ferreiro de mão destra, sedutor de raparigas, mucamas e fidalgas, a cujo desassombro as encantadas se rendiam, submissas.

Vítima de mau olhado andava zonzo o adulado Príncipe de Ébano, o disputado tição aceso. Doente de banzo, perdera a graça e o ímpeto.

Iemanjá viera do mar para dar-lhe medida diferente, fazê-lo medroso e tímido, acovardado. Cadê a coragem de ir buscá-la, tomá-la pelo pulso e trazê-la cativa?

Onde seu riso aberto, sua frase direta, o sol de sua cara larga, de narinas fortes e beiços grossos, de olhos daniscos? O que se passa com o negro Castor Abduim da Assunção, atacado de banzo, rastejando aos pés de uma branca? Branca?

Tinha cabelos longos e cútis pálida; no engenho, em Santo Amam, seria mulata-branca.

A sereia nadava entre as ondas sob um céu de estrelas. Castor cinzelou ainda - seu cinzel era um prego caibral - a lua minguante, pois a lua comanda o mar na ausência de Janaína.

Estava pronto o abebê onde ela se mirar e se reconhecer. Não, não podia continuar naquela apatia, um frouxo, um pamonha, embeiçado, perdendo tempo em namoro de caboclo, de olhares fugidios e adivinhadas intenções. Tinha de voltar a ser o negro voluntarioso, altaneiro e ufano, o quanto antes.

Não fora para rojar-se assim banzeiro que pusera cornos no Barão, senhor de engenho, régulo da vida e da morte, que prevalecera no leito de madama, na esteira da comborça, e por fim lhe quebrara a cara.
Não fora para render-se de mão beijada a uma branquela, barata descascada, àquela que desejava para mãe de seus filhos, avó de seus netos, dona de sua casa.

Precisa fazer um despacho para Omolu, o velho, também conhecido por Obaluaiê, pai do banzo e da bexiga, da maleita e da febre sem nome, para que ele lhe restitua a saúde e a força.

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