Disposto a casar com ela na primeira igreja. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Sampaio)
Episódio Nº 245
O que outrora acontecera, dando-lhe nome e renome, foi antes do princípio; antes de existir qualquer vivente no lugar.
Não obstante quem ali visse a luz
primeira, nascia carregando na cacunda a marca do sangue derramado, a memória
da morte e dos defuntos.
4
É certo que ninguém levava a sério a
barriga estufada de Ção, menina-e-moça. Motivo apenas para
risos de chalaça e obscenos comentários. Na ambição de um filho, a pobrezinha
enfiava maços de capim seco embaixo do vestido para que a imaginassem prenha,
esperando menino.
Num domingo apareceu na feira exibindo
ventre desmedido e estranhamente buliçoso. Sentou-se no chão em meio ao povo e,
entre risadas e galhofas dos assistentes, pariu um bacorinho e em seguida, ali,
diante de todos, abaixou o decote da blusa esfarrapada e tentou lhe dar o seio
a mamar, feliz da vida.
5
Ao chegar a Tocaia Grande, árdego
mocinho beirando os dezoito anos, ingênuo e apetitoso, Aurélio perturbara o
juízo de um punhado de raparigas: redes e esteiras puseram-se à sua disposição,
no gratuítes.
Encantado, folgou na mercê das putas até
o dia em que, tendo conseguido as moedas necessárias, pagara uma metida com
Bernarda.
Planejara tê-la por uma noite inteira, mas a
difícil, desde que lhe nascera o filho e voltava a exercer, limitara as obrigações
do oficio a pernadas em horário reduzido: entre as mamadas do menino e nunca
após a meia-noite.
Ainda assim a rápida função foi
suficiente para deixar Aurélio caído pela rapariga, embeiçado. As outras
deixaram de representar para ele qualquer interesse. Ção, que iria renovar seu
empenho, ainda não vivia em
Tocaia Grande.
Infernou a vida de Bernarda, não lhe
saía dos calcanhares, só faltava roubar para conseguir reunir o montante com
que se candidatar à cama de campanha mesmo para uma breve pingolada.
Soube, em conversa no intervalo da
devoção, que ela admirava o som do cavaqui nho,
tanto bastou para que iniciasse com um dos cabras do depósito de cacau, tocador
apreciado, o aprendizado do instrumento. Dedicava todas as horas livres à
rapariga, insistia em vê-la, até a ajudava no trato do menino Bernardo: tinha
o nome da mãe, já que não podia ter o do pai.
Quando Bernarda, sem sequer se dar por
isso, amamentava a criança na porta da casa de madeira, o último peito da tarde
- as quatro horas seguintes dedicadas a ganhar a vida - Aurélio ficava de tal maneira indócil que a rapariga
deixou de fazê-lo em sua frente.
Não eram decorridos dois meses da chegada dos
sergipanos ao lugarejo quando Aurélio propôs-lhe vida em comum e foi mais
longe: se ela assim desejasse poderiam ir-se de Tocaia Grande, viver em sítio mais adiantado
onde houvesse padre.
Disposto a casar com ela na primeira igreja
que encontrassem, a ajudá-la a criar o filho. Como se fosse dele.
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