sexta-feira, maio 01, 2015

Não se assunta?- Disse e saiu correndo.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)



Episódio Nº 235

















A voz em sopro grave e abafado:

- A sereia é Iemanjá, quer dizer, é tu.

Diva enxergou seu rosto refletido no espelho do metal. Atentando na figura nele gravada, ela se reconheceu, ou melhor, se adivinhou: os cabelos, o busto e o rabiosque.

Sorriu, baixou os olhos, esperou que ele prosseguisse e finalmente pronunciasse as palavras longamente esperadas. No silêncio, os braços a prenderam e apertaram com violência, à valentona e de surpresa.

Em vez de abrir-se nas maviosas palavras que ela aguardava e queria ouvir, a boca de Castor, num arreganho de beiços, língua e dentes, cobriu seus lábios, fechou-se sobre eles, ávida e feroz, esmagando-os.

Ela o estranhou e teve medo, um medo atroz. Ficou fria e insensível, morta por dentro. Em lugar de carinho e ternura, a brutalidade e a prepotência.

Num esforço desmedido, separou-se dele e antes que o malvado tentasse retomá-la nos braços, fora de si, assentou-lhe a mão na cara:

- Não se assunta? - Disse e saiu correndo.

Tição ficou de tal maneira perplexo, atoleimado, que a deixou partir sem dizer palavra, sem intentar um gesto para retê-la. Sequer notou, atônito e derrotado, que, após atravessar a porta, a pouca distância, ela susteve a fuga e por um instante, longo toda vida, esperou por ele: o cheiro de Castor entupia-lhe as ventas, impregnado em seu corpo, circulando em suas veias.

Mas ele não a viu: cego de raiva, imobilizado pelo despeito, a mão escura posta sobre a face que sangrava.

Somente ao chegar em casa, trêmula e desarvorada, Diva se deu conta de que levava na mão o leque de metal que Castor moldara e cinzelara para lhe oferecer. Arma de que se servira na hora fatal do desencontro, o abebê de Iemanjá, Iemanjá tem dois semblantes, afirmam os marítimos no porto da Bahia: a doce face da bonança, o agro perfil da tempestade.

23

Apesar de dona Ester não haver comparecido ao arrasta-pé
comemorativo de sua grata presença em Tocaia Grande, sucesso absoluto coroou a feliz iniciativa. Veterano do lugar, Pedro Cigano, rei do fole, não se recordava de festa assim tão animada e tão pacata.

 Para começar, o violento confronto entre Castor Abduim e
Bastião da Rosa, previsto e anunciado por Durvalino Vosmicê-Vai-Ver, não aconteceu. Castor e Bastião não só conversaram amigavelmente como beberam juntos, brindando com Lupiscínio, marido da homenageada.

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