Não se assunta?- Disse e saiu correndo. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 235
A voz em sopro grave e abafado:
- A sereia é Iemanjá, quer dizer, é tu.
Diva enxergou seu rosto refletido no
espelho do metal. Atentando na figura nele gravada, ela se reconheceu, ou
melhor, se adivinhou: os cabelos, o busto e o rabiosque.
Sorriu, baixou os olhos, esperou que ele
prosseguisse e finalmente pronunciasse as palavras longamente esperadas. No
silêncio, os braços a prenderam e apertaram com violência, à valentona e de
surpresa.
Em vez de abrir-se nas maviosas palavras
que ela aguardava e queria ouvir, a boca de Castor, num arreganho de beiços,
língua e dentes, cobriu seus lábios, fechou-se sobre eles, ávida e feroz,
esmagando-os.
Ela o estranhou e teve medo, um medo
atroz. Ficou fria e insensível, morta por dentro. Em lugar de carinho e
ternura, a brutalidade e a prepotência.
Num esforço desmedido, separou-se dele e
antes que o malvado tentasse retomá-la nos braços, fora de si, assentou-lhe a mão
na cara:
- Não se assunta? - Disse e saiu
correndo.
Tição ficou de tal maneira perplexo,
atoleimado, que a deixou partir sem dizer palavra, sem intentar um gesto para
retê-la. Sequer notou, atônito e derrotado, que, após atravessar a porta, a pouca
distância, ela susteve a fuga e por um instante, longo toda vida, esperou por
ele: o cheiro de Castor entupia-lhe as ventas, impregnado em seu corpo,
circulando em suas veias.
Mas ele não a viu: cego de raiva,
imobilizado pelo despeito, a mão escura posta sobre a face que sangrava.
Somente ao chegar em casa, trêmula e
desarvorada, Diva se deu conta de que levava na mão o leque de metal que Castor
moldara e cinzelara para lhe oferecer. Arma de que se servira na hora fatal do
desencontro, o abebê de Iemanjá, Iemanjá tem dois semblantes, afirmam os
marítimos no porto da Bahia: a doce face da bonança, o agro perfil da
tempestade.
23
Apesar de dona Ester não haver
comparecido ao arrasta-pé
comemorativo de sua grata presença em Tocaia Grande ,
sucesso absoluto coroou a feliz iniciativa. Veterano do lugar, Pedro Cigano, rei
do fole, não se recordava de festa assim tão animada e tão pacata.
Para começar, o violento confronto entre
Castor Abduim e
Bastião da Rosa, previsto e anunciado
por Durvalino Vosmicê-Vai-Ver, não aconteceu. Castor e Bastião não só conversaram
amigavelmente como beberam juntos, brindando com Lupiscínio, marido da
homenageada.
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