sábado, maio 23, 2015

O capitão Natário tem um louro que é um colosso.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)




Episódio Nº 251














8

Vá-Tomar-no-Cu tornava-se poliglota. Além de repetir palavrões em árabe, cantava em italiano trechos de árias - “Ridi, pagliaccio”, “La dona è mobile”- tocadas no gramofone.

 A fama do papagaio varava mundo nas cangalhas das tropas de burro:

 - O capitão Natário tem um louro que é um colosso. Fala em turco, canta em língua de gringo, engraçado como quê.

O gramofone, presente do coronel Boaventura Andrade, era a grande atração, o luxo principal da casa do capitão Natário da Fonseca. Zilda dedicava-lhe tal estima a ponto de não permitir sequer a Edu, o filho mais velho, colocá-lo em funcionamento; apenas ela e Natário podiam fazê-lo.

 Uma vez na vida outra na morte, o Capitão rodava a manivela dando corda no aparelho para exibilo, com uma ponta de ufania, a visitas de alto coturno: o coronel Robustiano de Araújo, o compadre Lourenço, chefe da estação de Taquaras, seu Cícero Moura, comprador de cacau por conta de Koifman & Cia, exportadores.

Nas sobras de tempo, em geral nos fins de tarde, antes da comida vespertina, Zilda punha o gramofone a tocar, ficava a escutar, a mão no queixo, os olhos semicerrados: não entendia a língua em que cantavam mas os graves e os agudos - os agudos sobretudo - a empolgavam.

 Por vezes Coroca aparecia para fazer-lhe companhia, comentar os acontecimentos do arraial, ouvir música; possuíam apenas três cilindros, vindos com a máquina.

Também acontecia Vanjé chegar trazendo algum agrado — batata-doce, abóbora, aipim - para a cozinha do Capitão, elogiava o gramofone:

- Nem vendo se acredita...

Vanjé tornara-se íntima de Zilda, mantinha uma deferência especial para com o Capitão: jamais poderia esquecer o encontro na estrada. Ouvira contar coisas sobre ele, entravam por um ouvido, saíam pelo outro, para ela, tirante Deus, ninguém se comparava ao capitão Natário da Fonseca.

Convidara-o para padrinho do menino de Lia e Agnaldo quando um dia o batizassem. A madrinha - me desculpe, dona Zilda - só podia ser Jacinta Coroca que o aparara.

De começo a meninada, trazida por Edu e Peba, juntava-se ao pé do gramofone. Atentos e assombrados, querendo saber onde se escondiam a fulana e o sujeito que entoavam aquelas cantorias das estranjas. Cansaram-se porém rapidamente, as músicas eram sempre as mesmas; preferiam a mata com os passarinhos e os sagüins, armavam alçapões e arapucas.

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