O capitão Natário tem um louro que é um colosso. |
TOCAIA
GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio
Nº 251
8
Vá-Tomar-no-Cu tornava-se poliglota.
Além de repetir palavrões em árabe, cantava em italiano trechos de árias - “Ridi, pagliaccio”, “La dona è mobile”- tocadas no gramofone.
A
fama do papagaio varava mundo nas cangalhas das tropas de burro:
-
O capitão Natário tem um louro que é um colosso. Fala em turco, canta em língua
de gringo, engraçado como quê.
O gramofone, presente do coronel
Boaventura Andrade, era a grande atração, o luxo principal da
casa do capitão Natário da Fonseca. Zilda dedicava-lhe tal estima a ponto de
não permitir sequer a Edu, o filho mais velho, colocá-lo em funcionamento;
apenas ela e Natário podiam fazê-lo.
Uma vez na vida outra na morte, o Capitão
rodava a manivela dando corda no aparelho para exibilo, com uma ponta de
ufania, a visitas de alto coturno: o coronel Robustiano de Araújo, o compadre
Lourenço, chefe da estação de Taquaras, seu Cícero Moura, comprador de cacau por
conta de Koifman & Cia, exportadores.
Nas sobras de tempo, em geral nos fins
de tarde, antes da comida vespertina, Zilda punha o gramofone a tocar, ficava a
escutar, a mão no queixo, os olhos semicerrados: não entendia a língua em que
cantavam mas os graves e os agudos - os agudos sobretudo - a empolgavam.
Por vezes Coroca aparecia para fazer-lhe
companhia, comentar os acontecimentos do arraial, ouvir música; possuíam apenas
três cilindros, vindos com a máqui na.
Também acontecia Vanjé chegar trazendo
algum agrado — batata-doce, abóbora, aipim - para a cozinha do Capitão,
elogiava o gramofone:
- Nem vendo se acredita...
Vanjé tornara-se íntima de Zilda,
mantinha uma deferência especial para com o Capitão: jamais poderia esquecer o
encontro na estrada. Ouvira contar coisas sobre ele, entravam por um ouvido, saíam
pelo outro, para ela, tirante Deus, ninguém se comparava ao capitão Natário da
Fonseca.
Convidara-o para padrinho do menino de
Lia e Agnaldo quando um dia o batizassem. A madrinha - me desculpe, dona Zilda
- só podia ser Jacinta Coroca que o aparara.
De começo a meninada, trazida por Edu e
Peba, juntava-se ao pé do gramofone. Atentos e assombrados, querendo saber onde
se escondiam a fulana e o sujeito que entoavam aquelas cantorias das estranjas.
Cansaram-se porém rapidamente, as músicas eram sempre as mesmas; preferiam a
mata com os passarinhos e os sagüins, armavam alçapões e arapucas.
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