Dêcá o pé, meu louro. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 250
O Capitão punha-o de costas na palma da
mão e lhe coçava a cabeça e a barriga, Vá-Tomar-no-Cu fechava os olhos,
deleitado, entregue. Devia ser fêmea para assim se deixar manusear, garantia Zilda.
Fêmea e fiel, pois apenas a Natário
permitia tais intimidades; bicava, feroz, qualquer outra pessoa que a qui sesse agradar e a insultava: Ladrão! Filho da
puta! Vá tomar no cu! Quase arranca o dedo do negro Tição que tentara fazer
amizade: decá o pé, meu louro.
O contundente vocabulário da maracanã
resultava de prolongada vivência na fumacenta sala de jogo de uma espelunca no Beco
da Mula em Itabuna, a freqüentada Pensão das Nuvens.
Misto de tasca onde serviam cachaça,
conhaque e rabos-de-galo, de puteiro - em cubículos no sótão oficiavam
raparigas – sobretudo antro de jogatina, esse complexo recreativo era explorado
por Luiz Preto, um paladino, por vezes incompreendido e injustiçado, do ócio
com dignidade.
O
Capitão salvara-lhe a vida por ocasião de um fecha-e-quebra de baralho. Encontrava-se
por acaso no local a convite de uma quenga, sua conhecida de tempos passados:
de hoje não lhe vejo, Natário, dissera a dengosa ao encontrá-lo na rua.
De reminiscência em reminiscência, acabaram
nos altos da Pensão das Nuvens para comemorar o encontro e matar saudades a
golpes de estrovenga.
Natário abotoava as calças, iniciando as
despedidas, quando a barulheira de mesas e cadeiras viradas e os gritos
entusiásticos de um papagaio - Ladrão de merda! Xibungo! -chamaram-lhe a
atenção.
A
dama, ainda nua, não se alterou, xingos e desordens aconteciam com bastante
freqüência no influído comungatório.
Mas como o cu-de-boi prosseguisse com
ameaças de morte - vou te arrancar as tripas, cachorro! - e tendo o Capitão
reconhecido a voz de Lalau, jagunço que já servira às suas ordens, cidadão de
peito e de palavra, precipitou-se a tempo de impedir o envio de Luiz Preto para
a terra dos pés juntos: o punhal de Lalau alumiava na fumaceira.
Restabelecida a ordem, arrumadas mesas e
cadeiras, reiniciada a batota, Natário demorou-se a provocar a maracanã e chegou
a desatar numa gaitada - coisa tão rara em seu proceder - ao ouvir o louro
ordenar-lhe: vá tomar no cu, enquanto piscava o olho e sacudia alegremente as
asas verdes e vermelhas.
Grato, Luiz Preto mandou deixar a ave na
pensão de tia Senhorinha onde o Capitão se hospedava em Itabuna: presente de um
ressuscitado.
Na Fazenda da Atalaia, Vá-Tomar-no-Cu
aprendera a assobiar para os cachorros, a pipiar para as galinhas, a imitar a
voz do negro Espiridião: paz e saúde, comadre Zilda! Em Tocaia Grande , o
Turco Fadul ensinara-lhe palavrões em árabe: manhúk, ru-h inták, ibam,
charmuta: a maracanã os repetia com límpida pronúncia das montanhas do Líbano.
Na mesa farta do almoço, em casa do
Capitão, Fadul, conviva frequente, ria a morrer com os xingos, em português e
em árabe, de Vá-Tomar-no-Cu. Nunca conseguiu, porém, por mais tentasse, coçar-lhe
a cabeça, muito menos a barriga. Privilégios do capitão Natário da Fonseca.
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