Os papagaios eram três, vistosos e faladores. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 249
.
Algumas
casas de tijolo e telha, quantidade de barracos, contínuo vaivém de gente e de
animais. Deixaram de existir as horas ociosas durante as quais, após a
partida dos tropeiros, o árabe, o negro e as raparigas descansavam
da noite e da madrugada trabalhosas e se reuniam para cavaquear, ouvir
histórias, cantar modinhas.
Não que houvessem abandonado por
completo os costumes de dantes, de quando Tocaia Grande era recente posto de
pernoite ou ínfimo arruado vegetando na pasmaceira e no abandono.
Ainda se encontravam para mandriar nos
locais costumeiros mas o faziam com menor freqüência, se bem com maior número
de participantes. Grupos festeiros juntavam-se aos domingos na feira, no Bidê das
Damas, em frente à tenda do ferreiro, na barbearia de Dodô Peroba e, como
sempre, na venda de Fadul.
Sucediam-se dançarás no embalo de
violões e harmónicas gaitas e cavaqui nhos.
O número exato das choupanas na Baixa dos Sapateiros só Deus sabia. Deus e
Durvalino, o popular caixeiro Leva-e-Traz.
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Multiplicaram-se igualmente os animais
domésticos, criados nas posses, na outra margem, ou soltos na rua. Pela manhã e
à noite prosseguia o tráfego dos comboios de burros; durante o dia os passantes
deparavam com varas de porcos fuçando na lama, bandos de galinhas ciscando nos
matos e de guinés passando em disparada.
O capitão Natário da Fonseca, por
ocasião da chegada dos sergipanos, trouxera da Atalaia uma dúzia de ovos de
tou-fraco que mandara para Vanjé. Postos a chocar sob uma galinha caipira,
nasceram dez pintainhos e desses dez a turba multa indomesticável que se espalhava
de um e de outro lado do rio, propriedade teórica da roceira, de fato bem comum
dos habitantes. Galinhas-d’angola, de carne preta, boas de panela, pitéus
especiais.
Além dos descendentes dos arroubos de
Alma Penada e Oferecida, outros cães vieram nas bagagens dos novos moradores e procriaram
uma voraz população de magros vira-latas.
Com Zilda mudou-se para Tocaia Grande copiosa
bicharada. Além de cachorros e gatos, de aves de criação — galinhas, capotes,
patos e perus - viam-se, no qui ntal
ao fundo, no terreiro em frente à moradia, mutuns e jacus domesticados, a ema
de Pega, o casal de seriemas gritando seu grito rouco, matando cobras, o
ouriçocacheiro de Lúcia, a menina mais velha. Sem falar nos periqui tos e papagaios, nos passarinhos, as gaiolas
penduradas na varanda e no alpendre
Os papagaios eram três, vistosos e
faladores, dois relegados à cozinha e ao qui ntal,
mas o terceiro - maracanã irrequi eta
e loquaz -, dono de extenso vocabulário
pornográfico, vivia solto, na varanda onde ficava seu poleiro no qual pouco
permanecia: o bicho de estimação do dono da casa.
Atendia pelo nome de Vá-Tomar-no-Cu, sua
expressão favorita, que ele repetia a dois por três, com ou sem motivo.
Andava de um lado a outro no balaústre da
varanda gritando palavrões, assobiando para chamar os cachorros, rindo um riso
estrídulo e trocista quando os via chegar correndo para atender à convocação.
Proclamava orgulhoso a patente e o nome do senhor e cativo amigo: capitão
Natário da Fonseca!
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