Zilda servia às visitas licor de jeripapo |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 252
Bernarda chegava, o filho escanchado na
cintura. Pedia a bênção à madrinha, ajudava nos trabalhos caseiros; calada e
sorridente ouvia o gramofone enquanto catava lêndeas em Zilda.
Vinha sempre na ausência do Capitão, e
se acontecia ele chegar de viagem e a encontrar ali, ela pedia-lhe a bênção e
em seguida se despedia. Ia ficar em casa, de plantão, à espera de que ele
viesse vê-la, na hora que qui sesse.
Zilda servia às visitas licor de jenipapo,
de pitanga, de maracujá, todos de fabricação caseira: como conseguia tempo para
tanta coisa? Para os afazeres domésticos, a cozinha, os licores, o doce de
banana, a passa de caju, para a costura e o ponto de cruz?
Para, devotada e cuidadosa, criar os
filhos: os seus e os adotivos?
Tudo isso sem elevar a voz, sem correr,
sem se queixar. Queixarse de quê? Quando Natário a arrebanhara, órfã e mendiga,
nunca imaginara chegar a tais alturas: casada, marido capitão da Guarda Nacional
e fazendeiro, dona de uma casa de tal porte, os filhos sadios, no terreiro a
bicharada, a mesa farta e franca.
Queixar-se? - Só se fosse ingrata.
Mesa farta e franca, nela comia quem
chegasse mesmo sem convite. Concorrência diminuta quando o Capitão estava
ausente: Coroca, Merência, Bernarda, alguma outra amiga; homem, jamais, não
estando em casa o chefe da família.
Natário passava a maior parte do tempo
nas fazendas, na Atalaia e na Boa Vista, ainda mais durante o temporão e a safra,
cuidando da colheita e da secagem do cacau.
Quando porém parava em Tocaia Grande , a casa
se enchia numa fartura de visitas. Na mesa não sobrava lugar, com frequência
havia quem comesse na varanda ou na cozinha, junto com os meninos.
Amigos, compadres, simples conhecidos, pessoas
que tinham assunto a tratar com ele, forasteiros que vinham cumprimentá-lo,
ademais dos habitantes. Quando passava, a pé ou a cavalo, pelo descampado, pelo
Caminho dos Burros, pela Baixa dos Sapos, todos o saudavam cordial e
alegremente, num misto de consideração e de estima.
Os homens tiravam-lhe o chapéu em sinal de
respeito, as mulheres sorriam-lhe
com apreço: no respeito de alguns homens um resquício de medo, no apreço de
certas mulheres um toque de frete. Os meninos corriam a beijar lhe a mão:
-
A bênção, Capitão!
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O próprio coronel Boaventura Andrade,
mandachuva daquelas sesmarias, patrão e compadre, provou o sal da mesa de
Zilda, repetiu os qui tutes e os
gabou, lambendo os beiços: a galinha de molho pardo, o teiú moqueado, o peixe
feito no dendê, a frita de capote, os doces de banana e de caju, o creme de
abacate.
Zilda desculpava-se pelo menu pouco variado,
apenas quatro pratos, pobreza de almoço se comparado aos da casa-grande.
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