terça-feira, junho 16, 2015

A situação está ficando preta, amigo Fadul
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)




Episódio Nº 267


















Bons brasileiros, diga-se para que a verdade se complete. Fadul quase esquecera dia e circunstância do desembarque no porto de Ilhéus, adolescente recomendado ao patrício Emilio Calim, proprietário do Bazar Alexandria em cujo balcão penara e aprendera.

Mas ainda não se compenetrara: em sua amada pátria grapiúna, antes dos homens e mulheres vinham os pés de cacau, contavam mais.

Inesperadamente, seu Cícero Moura, que devia estar de fazenda em fazenda comprando cacau por conta de Koifman & Cia, prendeu o burro Envelope no poste do oitão do armazém, achegou-se ao balcão tomando cuidado para não sujar as mangas do paletó surrado porém impecável, apesar de todo aquele aluvião de lama.

Fadul chegou a estranhá-lo, pois o corretor não pediu notícias
do mulherio, não ques saber de gado novo, O rosto ensombreado, não escondia o desassossego:

- A situação está ficando preta, amigo Fadul, ninguém quer fechar negócio. Vou esperar por aque que as chuvas parem.

Fadul admirou-se: esperar em Tocaia Grande? O Doutor Permanganato pousava habitualmente em Taquaras onde inclusive viviam contraparentes seus. O turco não perguntou a razão: no balcão do cacete armado terminava por saber mais dia menos dia o porquê das coisas sem ser preciso demonstrar curiosidade ou empenho, sem passar por perguntão.

6

Acompanhada por Tarcisio, Coroca dirigiu-se para o rancho dos estancianos na outra margem. Ao atravessar o pontilhão, constatou o crescimento do bojo do rio: cheio e rumoroso descia com raiva, reclamando. Reparou nos montões de baronesas arrastadas no ímpeto da correnteza. Uma flor azul, erguida entre duas folhas verdes, mantinha-se incólume no burburinho das águas, frágil e soberana.

O rio, bom amigo: dava-lhes peixes e pitus, água para todas as necessidades, nele se banhavam, lavavam roupa, matavam o tempo em galhofa e prosa e, nas noites claras de lua cheia e nas escuras de lua nova, casais enrabichados usavam-no para namoro e vadiação, mergulhavam abraçados nas águas tépidas, gemiam nos remansos, se abrigavam nos desvãos dos juncos.


Sem quê nem porquê transformara-se em inimigo, rosnava bravatas, trovejava ameaças. Coroca assim pensou mas nada disse, para não aumentar a aflição do suplicante.

O rapaz caminhava depressa e tenso, era natural: Zeferina, sua mulher, queixara-se dos primeiros puxos, dores ainda leves e intermitentes. Afobado, ele se tocou debaixo do toró para a casinha de madeira na Baixa dos Sapos.

Não ia esperar que aumentassem as contracções ou que a padecente começasse a perder as águas, para então sair em disparada à procura da parteira.

- Chegou a hora da onça beber água, dona Coroca. Vambora!

Vambora! Quantas vezes Coroca ouvira o chamado imperativo, atendera à ordem peremptória, e saíra, também ela agoniada?

Site Meter