Não caçava passarinhos para os vender na feira. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 258
344
Não apenas os pássaros, outros bichos
também. A viúva Natalina possuía um jupará da cor de mel queimado que ressonava
na caixa da máqui na de costura,
enrodilhado na comprida cauda.
A crer no povo, os juparás, ditos
macacos-da-meia-noite, eram plantadores de cacau: dormiam o dia inteiro,
atravessavam a noite na maior estripulia. Merência e Zé Luiz criavam na olaria
uma jibóia: já passara de dois metros e ainda não terminara de crescer.
Mantinha o local livre de animais
daninhos e afugentava as cobras venenosas. Putas e meninos opt avam pela reinação dos micos.
Dodô Peroba não caçava passarinhos para
os vender na feira,
tampouco para tê-los simplesmente
cativos em gaiolas, enfeitando o salão de barbeiro - chamar a acanhada peça,
onde fora colocada a cadeira feita por Lupiscínio, de salão de barbeiro era
gabolice igual à de designar o terreiro do galpão por salão de baile, maneiras de
dizer dos moradores do lugar.
Da farta recolha das trampas, muitas
vezes o passarinheiro não guardava sequer uma única ave. Depois de estudá-las
com atenta minuciosidade, de sujeitá-las a ensaios e exercícios curiosos e
estranhos, selecionava pouquíssimos exemplares, baseando-se em misteriosas
conclusões só dele conhecidas.
Voltava a soltar a grande maioria,
quando não a totalidade, e ao vê-los voar felizes com a inesperada liberdade,
demonstrava tal contentamento que se poderia imaginar um absurdo: ele os
aprisionara apenas para ter o prazer de libertá-los.
Os escolhidos - pela beleza, pelo canto,
pela vivacidade, sabe-se lá por quê? - passavam a viver nas gaiolas penduradas na
barbearia e a ocupar a maior parte do tempo do passarinheiro.
Dodô os amansava e com infinita
paciência e extrema mestria lhes ensinava a fazer coisas de pasmar. Com o bico,
movimentavam nas gaiolas maqui nismos
de cordões trançados, baixando e suspendendo dedais para enchê-los nos
bebedouros de lata, como se fossem pessoas a retirar água de cacimbas.
Descerravam as tampas das gavetas de
madeira para comer o alpiste, abriam e fechavam a porta da gaiola e etecétera e
tal, um ror de habilidades.
Dodô comandava-os estalando os dedos. Meu
Menino, Flor do Mato, Cravina, Arrepiado, Bogalhudo, cada qual atendia por um
nome; vinham voando quando chamados pela voz melíflua do amansador.
O barbeiro conseguia que, libertos da
prisão da gaiola, voassem dentro e fora da casa,
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