quinta-feira, junho 04, 2015

Pois será com muito gosto, Tição.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)

Episódio Nº 260




















Na porta, Castor Abduim saudou o fazendeiro com alvoroço:

- Entre, compadre, a casa é sua. Seu afilhado já nasceu, venha ver que bitelo de mulato.

Amulatado também, o Coronel. Mas naquelas bandas a divisão se fazia entre ricos e pobres: para fazendeiro não passar por branco era necessário ser negro retinto como o coronel José Nique e fazer questão de apregoar a raça. Negro Zé Nique! Bonito e milionário! - proclamava-se ele do alto do cavalo pampa estalando o rebenque de couro trançado e cabo de prata.

 O coronel Robustiano entregava na abertura da entressafra ao padre Mariano Rastos, prior da catedral de São Jorge, uma espórtula para o altar do santo guerreiro, e um óbolo, igualmente liberal, a pai Arolu para o peji de Oxóssi, senhor da natureza.

Entre os dois, o santo e o encantado, haviam de manter a chuvarada em limites razoáveis para que a floração e os bilros de cacau se desenvolvessem livres de ameaças e a safra fosse ainda maior.

Promessa urgente e necessária: nas cabeceiras do rio das Cobras o tempo desabava. O Coronel desabotoou o capote e o depôs no pedregulho próximo à forja para secá-lo: tempo mais filho da puta, arrenegado!

- Recebi o recado com a boa nova, vim visitar a comadrinha.

Como é que ela está passando?

- Contente como um passarinho, não pára de se rir.

O compromisso do compadrio vinha de longe. Ao saldar a dívida contraída com o Coronel para as despesas de instalação da oficina, paga aos pedaços, à la vonté, como o generoso credor lhe permitira - não precisa se afobar, Tição, não corre pressa: repetia-lhe a cada recebimento 

- Tição anunciara:

- Quando um dia eu me casar, vou pedir a vosmicê e a dona Isabel pra batizar meu primeiro filho.

- Pois será com muito gosto, Tição.

O negro cumprira o empenho. Casar não se casara mas se ajuntara, na prática a mesma coisa. Quando Diva começou a botar barriga, ao avistar o Coronel em Tocaia Grande, Tição lhe dissera:

- Me amarrei, Coronel, e o afilhado de vosmicê já está encomendado.

- Negro gabola e galhofeiro, acrescentou: - No capricho.

No capricho, no embalo, no gemer da rede. Amásios, ele e Diva mais pareciam namorados: de zanga ou rusga, nem sequer rumor; de mãos dadas, risonhos, estavam sempre juntos, trocando segredos e beijinhos, e se dizia que haviam nascido um para o outro.

Ele a tratava por preta, minha preta, e ela o chamava de meu branco. Repousava a cabeça no peito negro e largo e ele tocava-lhe a barriga com a mão espalmada, medindo-lhe o crescimento.

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