(Domingos Amaral)
Episódio Nº 9
De súbito, no meio da azáfama
geral, Taxfin e Abu Zhakaria chegaram junto dela. O Governador de Córdova
estava furioso e, por entre os impropérios ao califa, explicou que Zulmira, Fátima
e Zaida iriam partir já, junto com as muitas mulheres que estavam no
acampamento. Era o contrário do costume: a “gaziva” ia sempre atrás dos exércitos!
- O estúpido do africano vai
mandar o harém à frente! - declarou Taxfin.
Avançaram umas centenas de
metros por entre o pó e as tropas até chegarem perto das três carroças, onde já
estavam algumas mulheres. Abu Zhakarias chamou os condutores e, antes delas
subirem, Taxfin beijou as meninas e abraçou Zulmira.
- Vemo-nos à noite, nós
iremos a seguir – disse.
Zulmira deu-lhe um beijo e
sorriu-lhe
- Não tenhas receio, tudo
vai correr bem. Temos de saber esperar! Um dia acabaremos com o berbere.
A carroça começou a
deslocar-se quando Fátima deu um grito:
- Abu, tem cuidado!
Zulmira sorriu, a filha
adorava o cordovês bonito e bom guerreiro que andava sempre ao lado de Taxfin,
e pelo embaraço visível da cara dele aquele forte sentimento era correspondido.
Abraçou as filhas e as três
sopraram beijos com as mãos aos dois homens. Depois foram atravessando a
acampamento a custo até que os condutores descobriram finalmente uma estrada e
avançaram por ela.
Zulmira suspirou à medida
que via o bulício ficar para trás. Encostou-se a uma saca e tentou sentar-se
com conforto junto das meninas.
Umas léguas depois, viu à
beira do caminho uma mulher de negro, com um capuz a tapar-lhe o rosto, e teve
um mau pressentimento.
Quando a carroça passou
perto da desconhecida ouviu-a gritar:
- Voltem para trás!
Os inept os
condutores riram-se, mas Zulmira franziu a testa, e ainda estava com a mesma
expressão de preocupação quando, depois de uma curva na estrada, deram de caras
com um grupo de trinta cavaleiros cristãos que cercaram as carroças e as
obrigaram a parar.
O seu comandante, um jovem
bem parecido, um nobre galego que nessa tarde Zulmira veio a saber chamar-se
Fernão Peres de Trava.
As três carroças, em vez de
rumarem para leste, tinham-se desviado para norte e foram apanhadas pelas
tropas portucalenses de Dona Teresa que as levaram para Coimbra.
Só no final do dia, já longe
dali, Taxfin se deu conta dessa desgraça. Perdera Zulmira, Fátima e Zaida.
Foi assim, contou-me Zaida,
que elas ficaram prisioneiras em Coimbra onde as viríamos a conhecer. Porém,
durante muitos anos nenhum de nós soube das secretas qui meras
de Zulmira e seu marido Taxfin, que eram do tamanho do céu estrelado que à
noite cobria a sua muito amada Córdova.
Eu e o meu melhor amigo
Afonso Henriques, que convivemos com as três mouras, só demos conta das
tremendas ambições de Zulmira quando já era tarde demais para ela.
Certas mulheres apesar de
ambiciosas preferem ser prudentes e o seu coração é um poço profundo, onde se
escondem tanto os sinais do passado como os desejos do futuro.
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