Portugal
(Domingos Amaral)
Episódio Nº 23
Ainda zangado, Afonso
Henriques lançou uma provocação vingativa a Fátima tentando ajustar as contas
desfavoráveis da surra.
- Afinal, ninguém vos vem salvar!
Estranhamente enervada, Dona
Teresa voltou a repreender o filho:
- Já vos disse para não vos meteres com
mulheres! Olhai que ela tinha um punhal!
As crianças cristãs
estremeceram, aflitas, como se a lembrança daquela furtiva lâmina que aparecera
nas mãos de Fátima fosse um subtil sinal de que a imprevista retirada dos
mouros não anulava os tenebrosos perigos do mundo.
Já Zulmira permaneceu
calada, enquanto Zaida lhe dava a mão, á procura de protecção maternal, e
Fátima mordia o lábio superior, odiando o universo inteiro.
Desligada daquelas infantis
polémicas, Dona Teresa dirigiu-se a Bermudo, que a seguia como um cachorro
segue o dono, e ordenou:
- Levai dez homens convosco e mantendo-vos na
peugada do califa durante duas noites, a ver se isto é truque para nos
enganarem.
Bermudo pareceu atrapalhado
com a pesada responsabilidade contudo confirmou que o iria fazer, com um aceno
de cabeça.
Nesse momento meu pai e meu
tio trocaram um olhar cúmplice, enquanto Fernão Peres de Trava dorria,
agradado, como me disse depois Raimunda, a minha prima magricela que se
especializara em espiar os outros e que foi a única que o viu sorrir.
- Sei bem porque se sorri o galego ardiloso –
acrescentou.
Naqueles dias, eu ainda não
dava importância especial aos Trava, e apenas fiquei espantado com Afonso
Henriques que não estava eufórico, como nós, com a partida do califa e das suas
tropas.
Desapontava-o a inexistência
de um verdadeiro combate, épico e memorável. Os mouros retiravam porque
queriam.
Assim não os poderemos
vencer, como meu pai fazia! - exclamou
ele.
As crianças só entendem o
óbvio, nunca para além dele. No espírito infantil do meu melhor amigo não se
levantara a questão essencial: porque partia Ali Yusuf sem batalhar? Sabia-se
que o califa não estava doente, como no ano anterior...
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