sábado, julho 25, 2015

Assim Nasceu 


Portugal

(Domingos Amaral)







Episódio Nº 25








Mal souberam da retirada, os dois correram desesperados até à tenda de Ali Yusuf, onde o califa os esperava, caminhando de um lado para o outro, em cima dos tapetes da sua grandiosa instalação.

Ainda sozinho, subitamente parou, e bateu com a alpercata no chão, espezinhando uma formiga. Aquela antiga família, que todos julgavam soterrada nos confins da memória muçulmana, podia renascer e ameaçar o seu herdado califado.

Tal como o pai, Ali Yusuf não admitia disputas pelos seus estimados domínios, que se estendiam desde o Sul dos desertos africanos até ao Al-Andaluz, mas teria de procurar uma desculpa inteligente para pôr fim ao cerco de Coimbra.

Ao admirar as pérolas do colar, decidiu justificar a partida com guerras maiores a travar contra Afonso I de Aragão perto de Saragoça! Ou com febres... Ninguém sabia se era um pequeno surto ou uma epidemia.

As tropas estavam nervosas, mesmo quando os doentes não chegavam a trinta. Os berberes eram lutadores ferozes, mas tremiam perante maleitas invisíveis, que não sabiam como combater.

Durante a noite, o califa hesitara, já retirara no ano anterior, irritava-o não conquistar o Oeste da peninsular. Al-Mansor chegara a Compostela, mas ele não passaria do Mondego!

Pela segunda vez tinha de abandonar Coimbra. Mesmo contrariado, voltara àquela cidade porque Taxfin queria recuperar o que perdera um ano antes, a mulher e duas filhas.

Os cristãos não eram como os árabes, não levavam as mulheres para as batalhas. Mas eles faziam-no e por vezes perdiam-nas.

Quando, no ano anterior, o primeiro cerco a Coimbra se levantou, naquela confusão que sempre se gera aquando a partida de milhares de homens, algumas carroças tresmalharam-se e caíram nas mãos dos cavaleiros de Dona Teresa de Portugal. Entre os prisioneiros estavam a mulher de Taxfin, Zulmira, e as filhas desta, Fátima e Zaida.

Louco de raiva, Taxfin quisera recuperar a família, mas o califa proibira nova investida. Em troca prometera voltar no ano seguinte e por isso aqui estava hoje.

Desta vez, as tropas Andaluzes tinham vindo de Córdova e Sevilha por estrada, comandadas por Taxfin, mas o califa viera de barco com os seus berberes. Entrara Mondego dentro, desembarcara ali perto, em Montemor-o-Velho e depois instalara-se nesta tenda vasta, onde agora estava arrependido da promessa que fizera há um ano.

Não iria derrotar os cristãos, como fizera Yusuf, o anterior califa e seu pai, que enviara cinquenta mil cabeças decapitadas às capitais muçulmanas de Andaluzia e mais cinquenta mil para a Berbéria, como prova da sua vitória em Zalaca, onde derrotara Afonso VI.

O califa encolheu os ombros, ninguém ousaria criticá-lo por recuar! Só Taxfin se iria revoltar. O governador de Córdova podia ter um harém como o de Ali Yusuf, e, no entanto, não dormia com mulheres há um ano.


Era por essas e por outras que Ali não gostava dele. Taxfin era um serraceno da Andaluzia e o califa considerava-o corrompido pela poesia dos pederastas de Sevilha, pela música mole e dolente da região.

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