O motivo teria a ver com a morte de Ção nos braços |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 288
- Um passarinho pousou no meu ombro e
soprou em minha orelha. Tu não sabe que os passarinhos são meus próprios? Me
contam de um tudo.
O sumiço se estendera por meses e meses.
As notícias trazidas pelos tropeiros impediram que o considerassem morto e
enterrado: animava dançarás nas quebradas do mundo e a todos perguntava por
Tocaia Grande.
Para explicar ausência tão prolongada, havia
quem afirmasse que Pedro Cigano tomara raiva do lugar, raiva ou desgosto. Só
podia ser.
O motivo teria a ver com a morte de Ção
nos braços de seu
Cícero Moura, um nanico, um pigmeu. A
verdade de tais invencionices nunca se consegue comprovar, mas se mestre Pedro
pensou que por haver sido o primeiro, seria o único a derrubá-la sob o emborco
da canoa, revelara total ignorância a respeito da natureza das lesas, outra
nação muito singular.
Na crônica fortuita dos caminhos, as
patranhas se alimentavam de ouvir dizer; Pedro Cigano jamais se gabara das
primícias do cabaço de Ção; ao contrário, se alguém puxava o assunto, ele
mudava de conversa.
De qualquer maneira, por adivinhação ou
por sabedoria, por ter superado o desgosto ou não ter suportado a saudade,
apenas acertada a data da festança inaugural do barracão, ei-lo acomodado junto
ao balcão do armazém, saboreando a lambada gratuítes de cachaça, oferecida por
Fadul Abdala no calor das boas-vindas:
- Como havia de faltar? Quem foi que inaugurou
os outros dois? Nem a morte podia me impedir: levantava da cova e vinha.
A inauguração fora marcada para o domingo,
sete de setembro, aliás por feliz coincidência data comemorativa da proclamação
da Independência do Brasil, conforme lembrou o turco, cidadão informado e
patriota, o único em
Tocaia Grande.
Para os demais, essa história de
independência era conversa-fiada, vaga e abstrata, acanhada, sem rudimentos nem
larguezas.
Para Tição tinha a ver com o Dois de Julho
e o desfile dos grupos escolares nas cidades do Recôncavo, os meninos
carregando bandeiras e andores com as figuras do caboclo e da cabocla.
No Dois de Julho, usando arcos e flechas
contra as baionetas, os índios haviam expulsado os portugueses. Ou isso ou
coisa parecida.
- Só faltava mesmo o amigo. - Concordou
Fadul. Como poderia estar ausente? A voz amarga revelava a justa indignação do
sanfoneiro. Quem senão ele colaborara na construção dos galpões anteriores? Do
palheiro, se recorda, seu Fadul?
Um palácio, se comparado à precária
caranguejola situada no centro do descampado, entre o rio e as colinas: quatro
paus fincados na terra, cobertos com quatro palmas de dendê levantado em noite
de chuva e frio, pelos tropeiros que haviam aberto na força dos facões e nas
patas dos burros a trilha inicial para reduzir as léguas da estirada.
Ele, Pedro Cigano, ajudara a pôr de pé o
primitivo abrigo. Não via motivo para riso e troça. Fora de bastante ajuda, pois
não: dera palpites e alvitres, tirara teimas.
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