sábado, julho 18, 2015

Assim Nasceu 

Portugal

(Domingos Amaral)



Episódio Nº 19












Constrangido por a ver assim, o meu amigo forçou um sorriso e depois largou a correr. Saiu para o varandim, desceu as escadas de madeira a grande velocidade e avançou pelo pátio, sem reparar nas duas raparigas mouras, Zaida e Fátima, que se encontravam uns metros à sua direita, junto à mãe delas, Zulmira.

Eu estava no centro do terreiro com meu irmão Afonso Viegas e esticava um arco. O príncipe viu-me apontar a flecha a um boneco de feno, uma imitação primária de um mouro, com um miserável pano enrolado e colocado no topo, fingindo um turbante.

- Mata-o! – gritou o meu irmão.

Eu tinha nove anos e jeito para aquilo. Mantive o arco tenso e depois libertei a corda. A flecha silvou no ar e acertou na barriga do espantalho.

Afonso Viegas de oito anos, saudou entusiasmado, a minha pontaria, enquanto o meu outro irmão, Soeiro Viegas, batia palmas.

Ao lado dele estava uma rapariga, com os mesmos sete anos que Soeiro, chamada Raimunda, filha ilegítima de meu tio Ermígio que não procriara no seu único casamento religioso.

Morena, magricela com o cabelo curto, a minha prima parecia um dos irmãos Viegas. Era uma menina tímida mas muito engenhosa.

Sempre encostada pelos cantos dava pouco nas vistas que meu pai e meu tio haviam descoberto nela uma utilidade inesperada: escutar conversas no castelo e reportá-las a eles.

A única perdição dela era o meu melhor amigo. Ficava fascinada na presença de Afonso Henriques. Mal o viu o seu sorriso abriu-se.

Para sua sorte ninguém lhe ligava ou suspeitava daquela profunda afeição.

Quando o príncipe chegou junto de mim, entreguei-lhe o arco, cedendo-lhe a vez, e enquanto ele colocou a flecha ouvi uma previsão maldosa nas minhas costas. A feroz Fátima era sempre assim, e sempre seria, ao longo da vida.

 - Ides falhar!

Afonso Henriques examinou Fátima, com a irmã mais nova à ilharga. A moura desafiava-o com palavras agoirentas. Orgulhoso, meu irmão Afonso Viegas declarou, sem olhar para as raparigas:

 - É um mouro e já tem uma flecha espetada na barriga.

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