sexta-feira, julho 17, 2015

Indo de cova em cova podia contar-se a história
TOCAIA GRANDE
 (Jorge Amado)


Episódio Nº 286




















Se as putas satisfaziam-lhe as exigências, não discutia preço e pagamento.

Pelo jeito, na opinião dos entendidos e eram muitos, Ção se afogara tentando salvar seu Cícero Moura, que não sabia nadar, banhava-se na água rasa, no Bidé das Damas.

Na hora do desespero atracara-se com a lesa, impedindo-lhe os movimentos; com o braço rodeara-lhe o pescoço e o apertara. Ninguém quis comentar o acontecido: não sendo na animação da sentinela, o melhor era esquecer.

Altamirando e Das Dores carregaram a rede com o corpo da filha. O Capitão e Fadul levaram o corpo franzino de seu Cícero Moura, calçado com as botas, vestido com o capote, os olhos abertos, esgazeados.

No acompanhamento não faltou quase ninguém. Zé dos Santos e sia Clara, o povo de Ambrósio, o clã dos estancianos, à exceção de sia Leocádia que não estimava cemitérios.

Dos morros onde se acoitavam desceram os moradores do
Caminho dos Burros e o enxame de putas. Merenda fez o pelosinal, rezou um padre-nosso.

Outra adivinha a decifrar: quem conseguira colher, nos cúmulos das baronesas, uma flor intacta, azulceleste, e a colocara entre os dedos de Ção?

Situado numa encosta, o cemitério não fora atingido pela cheia, permanecia incólume. Entre as covas vicejavam mamoeiros, bananeiras, cajueiros, pitangueiras, agreste pomar, alegre de cores, rico de aromas.

Indo de cova em cova podia-se contar a história inteira de Tocaia Grande, desde o remoto e nebuloso começo de lenda e patranha, até o descalabro da enchente ainda acontecendo.

23

A enchente durou mais de trinta horas de agonia até que na segunda noite as chuvas tornaram-se intermitentes e as águas começaram a baixar, a refluir lentamente para o leito do rio.

Um sol mofino iluminou o chão de lama e a devastação se mostrou plena, desnuda e suja.

Numa e noutra margem, a ruína e o abandono: as plantações alagadas, o cultivo destruído, a criação dizimada. No arraial restaram as poucas casas de tijolos e de pedra-e-cal, meia dúzia de barracos de adobe, o depósito de cacau, o curral, o forno da olaria, a oficina do ferreiro, o armazém do turco, a residência do Capitão no alto da colina.

Na Baixa dos Sapos apenas a casinhola de madeira de Coroca e Bernarda.

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