sábado, julho 18, 2015

Nunca mais volta a ser o que já foi
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)




Episódio Nº 287



















Nas fazendas, as roças de cacau, sobretudo as plantadas nas proximidades do rio, sofreram com a cheia, houve prejuízos a lastimar, menos porém do que se previu e se temeu.

Como se o rio, prosseguindo na assentada tradição do continente grapiúna, tivesse preferido violentar e destruir a morada dos homens a prejudicar a lavoura do cacau.

Alguns dias depois, viajando para Ilhéus onde dona Ernestina se excedia em promessas e em missas, consultava espíritos de luz sobre a meteorologia, o coronel Boaventura Andrade, acompanhado pelo capitão Natário da Fonseca e pelo negro Espiridião, passou por Tocaia Grande, gleba de charcos, escombros e entulhos onde o povo ainda recolhia restos de pertences.

Balançando a cabeça, o Coronel lastimou penalizado:

- Bem que a comadre disse: se acabou. De vez. Nunca mais volta a ser o que já foi.

Dizia para o Capitão, para Fadul e Castor, estavam os três e também Pedro Cigano bebericando junto ao balcão da venda.

Nos lábios de Natário perpassou aquela sombra fugidia de sorriso: mal elevou a voz como se fosse desnecessário sublinhar as palavras:

- Com sua licença, Coronel, vou lhe dizer: vosmicê ainda vai ver Tocaia Grande duas vezes o que foi.

Olhou para os demais, gostaria que estivessem todos: o velho
Gerino e Coroca, Lupiscínio e Bastião, Balbino e Guido, Merência e Zé Luiz, Dodô Peroba e o povo da outra margem:

- Não sou eu sozinho quem tá dizendo. Pergunte a Fadul e a Tição, a qualquer um que vosmicê encontrar por aí vivendo nos outeiros.

Olhou além da porta para a paisagem novamente bela sob o sol luminoso do verão:

- Não sei de ninguém que tenha ido embora daqui por causa da enchente. Nem as raparigas que não são de parar em lugar nenhum. Só se fala em fazer casa, casa que a água não derrube. Vosmicê há de voltar aqui comigo um dia desses: vai ver Tocaia Grande e vai se admirar.


NO DIA DA FESTA DO BARRACÃO, A FEBRE CHEGA E SE INSTALA


1

Fosse Pedro Cigano, cigano de verdade, de nação e sangue, e se transformaria em artigo de fé a abusão de certas raparigas que costumavam emprestar caráter sobrenatural às periódicas aparições do troca-pernas em Tocaia Grande.

Mas sendo ele cigano apenas de apelido, atribuíam a concordância de datas e fatos à reconhecida sabedoria do sanfoneiro: em simples casualidade ninguém acreditava.

- Tu adivinha festa, não é, meu bom? — Exclamou a dolente
Anália ao vê-lo transpor o batente da porta na pensão de Nora Pão-de-Ló: - Como foi que tu soube?

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