quinta-feira, agosto 27, 2015

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 43


















Mas, como as mouras não haviam sido libertadas, permaneceu por lá.

Três anos haviam já passado e nenhuma expedição muçulmana voltara a fustigar o Mondego. A mulher de negro soubera, em Santarém, que Ali Yusuf, andara pelo Leste da Península, acompanhado de Taxfin, e que depois regressara aos desertos africanos, para combater as tribos berberes revoltadas.

Não havia qualquer notícia de que estivesse a preparar uma invasão a Oeste e por isso sentia-se mais à vontade para se afastar de Coimbra.

Porém, havia outros riscos nestas viagens. O seu aspecto devia meter medo, já por diversas vezes lhe haviam chamado bruxa e alguns lavradores haviam-na apedrejado.

Apesar dos seus conhecimentos de magia e feitiçaria, ela não se considerava a si própria uma bruxa, apenas uma louca. As verdadeiras bruxas não eram loucas, mas ela limitava-se a ser uma doida com truques, que normalmente resultavam mal.

Fosse como fosse, os outros temiam-na e foi por isso que inicialmente se afastou daquele eremitério.

Na margem do Nabão, perto de umas ruínas de uma abandonada povoação romana, dera com aquela pequena construção de granito, no meio da floresta.

Em vez de caminhar na sua direcção, decidiu contorná-la à distância. Os eremitas cristãos que viviam abaixo do Mondego eram corajosos, mas também demasiado religiosos para aceitar uma bruxa vestida de negro.

Acusá-la-iam de blasfémias e heresias e rezariam ao seu deus para que a levasse, por isso se afastou. De repente, ouviu um gemido e estacou. Voltou a observar o cemitério e o som repetiu-se. Alguém estava a morrer ali.

Olhando à volta para ver se alguém aparecia aproximou-se.

À entrada do edifício sem porta, espreitou lá para dentro. Limitava-se a uma sala fria e quase quadrada, com uma mesa de pedra no centro, um altar do seu lado direito e, num dos cantos, um pequeno forno onde se viam umas brasas de carvão.

Depois de habituar os olhos à escuridão, a mulher de negro viu no chão uma esteira de vime, em cima da qual se encontrava deitado um minúsculo e mirrado idoso, que morria devagarinho, emitindo os inconstantes queixumes que ela escutara.

Decidiu esperar que ele soçobrasse, pois não seria correcto deixá-lo apodrecer no eremitério. Podia perfeitamente cavar uma pequena cova, enterrá-lo e só depois prosseguir o seu caminho.


Ainda à entrada, reparara que o homem parara de gemer. Com os olhos, agora muito abertos, parecia aterrado, não já com medo de morrer, mas com medo dela.

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