(Domingos Amaral)
Episódio Nº 36
Contudo, Fernão Peres torceu
o nariz, insatisfeito. Os Trava não eram estimados pelos nobres de entre Douro
e Minho, seria difícil alguma dessas famílias aprovar tal casamento.
Além disso, acrescentou,
devia ser alguém de sangue real.
Como se tivesse ouvido um
disparate, Dona Teresa insurgiu-se:
- De sangue real só existem
as minhas filhas!
Para surpresa dela, Fernão sorriu-lhe.
Dona Teresa, ao dar-se conta do plano, pareceu momentaneamente chocada com a
perversidade da solução.
O Bermudo, meu marido, casar
com uma filha minha? O arcebispo de Braga ainda me excomunga!
Com a mestria habitual, o
Trava retirou-lhe as dúvidas. Paio Mendes iria espernear, mas aceitaria se
recebesse umas doações!
- Constrói-se-lhes um
mosteiro que eles calam-se todos!
A ideia era sublime,
insistiu Fernão: Bermudo ficaria satisfeito e Dona Teresa ligava os Peres de
Trava, a mais poderosa nobreza da Galiza, à sua própria família e desta vez com
um casamento religioso!
Dona Teresa estava de tal
forma enfeitiçada por ele que, pouco depois, já aceitava aquela solução.
- Qual das minhas filhas? –
perguntou.
O Trava encolheu os ombros,
como se fosse óbvio:
- A Urraca Henriques, claro! A outra desfazia
o desgraçado do Bermudo na primeira noite.
Desataram os dois à
gargalhada. Sancha Henriques, a segunda filha de Dona Teresa, parecia um
brutamontes nos seus modos, e já protagonizara várias cenas de pancadaria com
os que haviam tentado seduzi-la.
Já Urraca Henriques, a mais
velha, aos vinte e dois anos era uma paz de alma e não fazia mal a uma mosca.
Subjugada, Dona Teresa,
apreciou o amante que voltara a colocar as mãos na nuca, convencido da genialidade
das suas artimanhas.
Excitada com aquela
espantosa confiança, a rainha exclamou:
- Ai amigo, folguemos mais, que me perco por
vós!
No seu posto de observação
privilegiado, a minha prima assistiu à continuação daqueles jogos de amor.
Embora nunca os tivesse praticado (tinha apenas oito anos), Raimunda já os vira
com diversos protagonistas, espreitando em fechaduras e frestas.
Entre homens e mulheres, era
tudo quase sempre idêntico, mas a minha prima notou naqueles dois um forte
empolgamento, talvez por ser a primeira vez, ou por terem a pressa dos
traidores.
Viu-os afastarem a colcha de
púrpura, bem como a manta ornamentada e movimentarem-se agitados em cima da
leve almocela de seda que cobria os colchões, e viu a rainha montar o Trava
como se fosse uma amazona, enquanto o seu peito polpudo tremelicava.
Raimunda era uma magricela e
parecia um rapaz, cobiçou os seios arredondados e volumosos de Dona Teresa. Era
sabido que ela untava os mamilos com mezinhas, para os manter firmes, e a minha
declarou-nos mais tarde, com convicção acintosa:
- As outras da idade dela têm tetas que mais
parecem orelhas de perdigueiros!
Ainda descreveu a rainha a
pousar a cara no pulvinar de penas, os cabelos cobrindo o “godemeci” de pele de
vaca que estava à cabeceira da cama, curtido e envernizado, provavelmente
fabricado na longínqua Córdova, enquanto o Trava a possuía por trás.
Porém, e apesar dos
pormenores que nos forneceu, não era naquela ardente refrega que a minha prima
reflectia, deitada no telhado.
Na manhã seguinte, teria de
avisar seu pai, Ermígio, e seu tio, Egas Moniz, pois o que ali ouvira soava
perigoso.
Sobretudo para o seu amado
Afonso Henriques. O novo amante de Dona Teresa era muito mais hábil do que o
irmão Bermudo, e até uma menina de oito anos sabia que são sempre os ardilosos
quem mais devíamos temer.
O Trava era um perigo e, se
subjugava assim Dona Teresa, em breve mandaria no Condado Portucalense.
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