terça-feira, agosto 25, 2015

Não vim ocupar tua rede
Tocaia Grande
(Jorge Amado)




Episódio Nº 320















Com a morte de Diva, a solidão retornara, outra, diferente.
Agora não provinha da carência, do desamparo do lugar: estava dentro do peito de Tição, não em derredor.

Não quisera entregar o menino à avó, às tias, recusara a oferta de Zilda: tomo conta dele, crio junto com os meus. Mas a presença do filho não diminuía a ausência de Diva, não consolava: ao contrário, tornava a lembrança mais aguda.

Menino sem mãe, criado à toa. Por vezes Tição sentia-se culpado por mantê-lo junto a si, mas, como separar-se dele? O grito de Coroca, na noite da danação, ainda ressoava em seus ouvidos: tu se esquece, desgraçado, que tem um filho!

Para cumprir a obrigação que Diva lhe deixava de herança, o negro Castor Abduim não se matara. Na solidão, ao abandono, três bichos na casa de pedra e cal: Tovo, Tição e Alma Penada.

Nas águas do rio, nos braços do pai, Tovo aprendia a nadar; na oficina aprendia a andar, aos tropeços, embolado com o cão.

Ganhara um guizo grande, dado por um tropeiro, e o Turco Fadul trouxera-lhe de Ilhéus um pequeno cisne de celulóide que Tovo mordia no despontar dos dentes.

Menino sem mãe. Tição parou à porta da oficina ao escutar um riso de criança, logo renovado, vindo lá de dentro. Ficou parado, atento ao riso de seu filho.

Tovo não sabe rir, censurara Diva, parece um bicho-domato e ele, Tição, uma visagem. Era verdade. Acudia ao choro do menino somente para dar-lhe de comer ou limpá-lo do coco.

Levava-o à mata de manhã, ao rio no fim da tarde. Do mais, o cão se ocupava. Ele, Tição, virara um lobisomem.

Na esteira brincavam os três: Tovo, Alma Penada e Epifânia.

Tição acocorou-se junto a eles. Epifânia ouvira dizer que o ferrador de burros já não era o mesmo que ela conhecera, desaprendera o riso, vivia por viver.

Quem inventara tal balela? Ali estava ele, rindo, o Tição de sempre. Ninguém sabia rir com tanto gosto quanto ele.

- Ocê veio pra ficar? De verdade?

- Tu não escutou eu falar? Não vou embora mesmo que tu mande.

Não disse com voz de desafio, disse para que ele soubesse e concordasse. Levantou os olhos para Castor Abduim que um dia fora seu xodó. Jurara a si mesma, soberba e insubmissa, jamais voltar a vê-lo. Mas apenas soubera-o purgando pena, infeliz, um cão danado, e os pés já não lhe obedeceram: ali estava.

Mas ainda conservava o brio antigo:

- Não vim ocupar tua rede, tu pode ter tudo que é mulher, não me importa. Se eu tiver de dormir aqui por precisão do menino, durmo com ele na esteira.

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