Soprou-lhe a vida pela boa, ressuscitou-lhe a estrovenga |
Tocaia Grande
(Jorge Amado)
Episódio Nº 319
Fora ela, Diva, quem enviara Epifânia para
ocupar-se de Tovo e também dele, Castor Abduim da Assunção, dantes tição aceso,
depois acha de pau sem serventia.
Quando morri não te capei, meu branco.
Também tu viraste um bicho, uma visagem, um lobisomem. Por que choras se eu
quero ouvir teu riso?
Somente então ele viu o rosto luminoso,
enxergou a figura completa do egum: liberto das correntes, dos molambos,
vestido de luz.
Diva, as tranças de menina, Iemanjá, a
longa cabeleira, eram as duas e eram uma única, não são coisas de explicar e
sim de entender.
Diva sobrevoou o rio e o descampado. Com
os lábios tocou a face do negro, soprou-lhe a vida pela boca, ressuscitou-lhe a
estrovenga, e em paz com a morte desapareceu no nada.
Os que viram o negro Tição Abduim sentado
numa pedra, os olhos no revérbero de luz a se desfazer em poeira, contam que
ele se levantou ainda ausente e executou passos rituais de dança, feitiçarias de
macumba.
Informado por terceiros, Fadul Abdala veio
às pressas do armazém:
- Tá sentindo alguma coisa, Tição?
Surpreso, viu o negro sorrir:
- Não foi nada não. Tava dormindo e
acordei.
Acordara sorrindo, boas novas.
8
Para Epifânia de Oxum, Tição concebera um
abebê dourado em dias de solidão e de morrinha: a solidão, fardo pesado; a
morrinha asfixiava.
Oxum viera fazer-lhe companhia e o ajudara
na tarefa de reunir os que até então viviam indiferentes e distantes, cada um
para seu lado, como se o vizinho não existisse. Juntos, os dois malungos
romperam a solidão e prepararam a festa, em tempo de encontro e desencontro.
Para Diva de Iemanjá, Castor Abduim
forjara um abebê prateado em dias de dúvida e de quebranto: a dúvida, ferida exposta;
o quebranto o consumia.
Iemanjá viera dos longes de Sergipe no
bojo do navio da lua, e ancorara na rede de dormir.
Meu branco, minha preta, ai! Na rede o
mundo começava e terminava.
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