Velha disgramada, quereno morrer na folia. |
Tocaia Grande
(Jorge Amado)
Episódio Nº 316
O desejo embaciou-lhe os olhos, queimou-lhe
o peito de mistura com o trago de aguardente.
Na varanda da casa-grande o Coronel
refletia sobre a vida, a velhice, as poucas alegrias, as muitas misérias a que
o homem está sujeito: com o passar da idade vai aumentando a distância entre o
desejo e a tesão, entre o pensamento ardente querendo vadiar e o pau murcho,
pururuca, recusando-se a subir.
Natário e Espiridião respeitavam-lhe os
silêncios, entre eles nunca se fizera necessário esperdiçar palavras para que
se entendessem: o Capitão até adivinhava.
Festa de reisado, brincadeira para gente
moça, que diabo ele
e Leocádia tinham a ver com caboclos e
pastoras? Ela com o pé na cova, ele à beira da broxura: à beira? - Velha
disgramada, querendo morrer na folia.
Gente forte, não se deixavam abater:
tinham perdido dois na epidemia, um rapaz e um menino. Também o velho Zé
Andrade folgara até morrer.
As roças de cacau, seu reisado. A moça
Sacramento, sua pastora, sua Senhorita Dona Deusa. Tudo quanto lhe restava.
Emborcou o cálice de cachaça, ordenou,
entre severo e brincalhão:
- Deixe a garrafa aí, sua sumítica. Isso
não é trago que se ofereça a Espiridião.
Voltou-se para Natário, a voz cansada:
- Diga a Leocádia que não garanto ir, o
mais certo é que não vá. Até que gostaria. Mas ou bem Ernestina vem pra cá ou
eu vou passar as festas em
Ilhéus. Prometer pra não cumprir não é de meu agrado.
A tarde morria sobre as roças de cacau. No
ribeirão, o coaxar de um sapo em agonia na boca de uma cobra. Na sala,
Sacramento, a moça do Coronel, acendeu a placa de querosene.
7
Lavado em sangue, o sol afogava-se no rio.
Filho de Xangô,
com uma banda de Oxóssi e outra de Oxalá,
o negro Castor Abduim ficara parado, sem ação, perto da porta da oficina por
onde se enfiara a negra Epifânia à procura do menino.
Meu menino, ela dissera. Nuvens vermelhas
corriam pelo céu, luz e sombra confundiam-se numa atmosfera de emboscada, aviso
de ameaça, anúncio de perigo.
Que fazer? - perguntava-se Castor: - Como enfrentá-la
e dizer não?
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