Espiridão vai querer uma cachacinha... |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 315
Professora diplomada, esforçava-se por
alfabetizar meninos na pequena escola de Taquaras. Usava óculos, não se casara,
criava passarinhos.
O negro Espiridião tinha pela filha verdadeira
veneração, tratava-a com cerimónia, só faltava chamá-la de senhora e quando se
referia ao seu nome acrescentava os títulos: minha filha, a professora dona
Antônia.
Espiridião sentado no degrau da varanda,
Natário na ponta do banco, entre os dois cabras o Coronel refletia sobre a
vida, a velhice e as poucas alegrias que lhe restavam.
Da cozinha chegava a voz de Sacramento
entoando modinha brejeira:
Azulão é pássaro preto
Rouxinol cor de canela
Quem tem seu amor de frente
Faz ronda, faz sentinela.
Venturinha folgava no Rio de Janeiro,
esbanjando. Dona Ernestina, sua santa esposa, rezava e fazia promessas em
Ilhéus; Adriana, sua rapariga, em vias também de santidade, não saía das sessões
espíritas; esposa e amásia, cada uma com suas mazelas e devoções: o seu povo, o
lado rico.
Na fazenda, onde se demorava sempre mais,
Natário, Espiridião, Sacramento, também gente dele, o outro lado.
Para que não morresse solitário, a vida
lhe dera a moça Sacramento. Pena tivesse tardado tanto.
Sacramento silenciou a cantiga, apareceu
na varanda com o bule de café acabado de passar, quente e oloroso. Enquanto o sorvia
em pequenos goles, soprando na xícara, o Coronel pigarreou e disse:
- Espiridião
vai querer uma cachacinha...
- Só
ele? - Brincou a moça, familiar dos hábitos do fazendeiro.
- Acho que Natário é bem capaz de aceitar.
Que me diz, compadre?
- Se
for para acompanhar vosmicê, aceito com prazer.
O Coronel riu confortado, sentia-se entre
os seus. A simples presença da moça, igual a visão das roças de cacau,
aquecia-lhe o coração. Sacramento recolheu as xícaras, voltou com a garrafa e os
copos.
Copos
de pé, cálices finos e frágeis, neles não cabia mais do que uma gota de
cachaça.
Quando Sacramento se debruçou para servir,
o Coronel enxergou, no vão do decote da bata, a curva e o volume dos seios e os
sentiu contra as costas da mão, levantada de propósito.
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