(Domingos Amaral)
Episódio Nº 35
Começara
a chover e só as sentinelas não se haviam recolhido, quando alguém levantou a
ponte levadiça a um solitário cavaleiro, deixando-o entrar sem sequer retirar o
capuz.
Era
Dona Urraca, a quem sua irmã enviara uma mensagem secreta, alegando que deviam
parlamentar.
Embora
bulhassem constantemente, nos intervalos dessas polémicas as duas irmãs
davam-se bem. Sempre que podiam encontravam-se em segredo, longe dos seus
conselheiros e decidiam livremente o que desejavam.
Em
Lanhoso, repetiram o costume familiar e, para não serem vistas, desceram às
masmorras vazias e frias.
Iluminada
apenas pelas chamas de dois archotes, Urraca parecia envelhecida por tantas
guerras e zangas, ora com o marido, Afonso I de Aragão, ora com o filho, ora
com a irmã, ora com os incontáveis amantes com quem folgava.
Imprevisível,
inqui eta e turbulenta, não era
dotada para o governo dos seus reinos e muita da balbúrdia que consumia a
Hispânia nascia das vibrações drásticas daquele útero inconstante, daquela alma
atormentada e daquela inteligência fogosa mas limitada.
Talvez
por isso, notavam-se já nela muitas rugas, cabelos cinzentos, tremura nas mãos
e um ligeiro arfar nos enfraquecidos pulmões.
Sem
lhe dar tempo para pensar, Dona Teresa alegou que a irmã fora conduzida para
uma armadilha.
Lanhoso
era um castelo inexpugnável, resistiria meses ao cerco, e as tropas
portucalenses que estavam a ser reunidas em Guimarães em breve fustigariam os
flancos das dela, desgastando-as até à exaustão
- Estes desfiladeiros são mortais – garantiu
Dona Teresa.
Não
só notara que a irmã desconhecia a agressiva geografia do local, como que
parecia esgotada por semanas de combates e saudosa do seu actual amante, um
nobre castelhano qualquer.
Por
isso, Dona Teresa acrescentou sem piedade:
- O Gelmires vai trair-vos. Amanhã vai retirar
as suas tropas e deixar-vos à minha mercê!
O
exército que cercava Lanhoso era vasto, devia contar talvez com cinco mil
homens, mas desses apenas metade eram os leoneses e os castelhanos de Dona
Urraca, os outros eram galegos e pertenciam ao arcebispo de Compostela.
Se
estes retirassem, a vantagem numérica de Dona Urraca face aos portucalenses diminuía
muito.
A
ira fez a rainha parecer ainda mais envelhecida e alucinada.
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