sexta-feira, setembro 04, 2015

A Televisão










Há uns anos atrás, já bons, um amigo meu, engenheiro numa fábrica de fazer azeite, hoje uma grande marca de azeites comercializada em Portugal, e a que eu, em rapaz, chamava simplesmente de lagar de azeite, porque o meu avô tinha um que fazia as minhas delícias durante as férias de Natal.
Lá passava os dias, entretido, entre seiras, capachos e o bagaço da azeitona. Mas, o que eu mais gostava, era quando me sentava para almoçar com os trabalhadores, a sopa de couves com feijão que a minha avó tinha posto a cozer ao lume da lareira logo de madrugada e que, à hora da comida, era despejada sobre um grande prato de lata, base de uma medida de 10 litros, de onde todos comíamos, depois do mestre a regar com azeite acabado de fazer, a saber ainda à oliveira, e ele próprio começar a comer, por uma questão de respeito. Coisas de outros tempos…
Mas, dizia-me esse amigo engenheiro, que em casa dele não tinha televisão e que as filhas, se quisessem, fossem vê-la a casa das amigas. Tinha sido uma opção dele.
Passados todos estes anos não sei se o meu amigo engenheiro, de então, já tem televisão ou continua fiel à opção feita.
Eu tenho televisão, daquelas 3D, com uma imagem tão nítida e perfeita que até parece bruxedo, mas a utilização que hoje lhe dou é diferente.
Para não me alongar muito, direi que migrei. Não consegui acompanhar os gostos dos meus concidadãos que alimentam os canais generalistas e fui-me embora, ver algum desporto, dois ou três desafios de futebol ao fim de semana, os grandes torneios de ténis e de atletismo e os canais temáticos, perfeitamente inofensivos, da Odisseia, National Geografic e História.
Fujo, principalmente, dos telejornais cujas notícias já li, logo de manhã, no meu Diário de Notícias, enquanto no Café tomo o pequeno almoço.
As imagens da televisão que acompanham as notícias são escolhidas para nos ferirem a sensibilidade, chocarem-nos, como se fôssemos todos masoquistas e gostássemos de sofrer.
Quem se fixe muito nelas, corre o risco de ter pesadelos e ver a sua casa a arder quando, na época dos fogos, que entre nós entra pelo Setembro dentro, recebe, na sua televisão da sala, "overdoses" de mato e árvores a arderem, com os bombeiros em segundo plano e um senhor em destaque, com um microfone nas mãos, que nos repete por várias vezes e quase sempre de forma atrapalhada, a descrição do que, nós próprios, estamos a ver.
Pior, agora, é o de podermos acordar com pesadelos de rostos de pessoas, homens, mulheres e crianças, elas de cabeça coberta com um lenço, e todos de feições inexpressivas que espreitam do quintal da nossa casa para o quarto onde dormimos e nos dizem, na indefinição do seu olhar: “estamos aqui e queremos entrar”.
Eu tive um pressentimento mau a quando das “primaveras árabes” vividas em 2010 por quase todos os países do Norte de África de onde agora fogem, em reportagens de então cheias de optimismo, como era documentado.
- Como iriam eles concretizar os sonhos que estavam a festejar? – Foi este o pressentimento que tive, mau, perigoso, mas não nada disto. Era impossível.
O que está a acontecer é muito pior que tudo aquilo que de mau se pudesse pensar. Só um catastrofista o poderia imaginar e, mesmo esse, tenho muitas dúvidas que tivesse imaginação suficiente.
Será deste mundo imagens de homens a cortar pescoços de outros homens ajoelhados a seus pés e a televisão fazer a transmissão dessas cenas para as nossas casas?
Não há palavras, não há pensamentos, apenas a vontade de não acreditar, aquilo não podia ser verdade, não podia ter acontecido.
Mas, se aconteceu, por que não partiram no outro dia os exécitos dos países ocidentais: ingleses, franceses, americanos, em perseguição daqueles criminosos?
- Porque continuam eles a matar e a destruir sem que ninguém os afronte directamente?
- Julgavam que o Mar Mediterrâneo seria obstáculo suficiente para impedir que as pessoas fugissem daqueles loucos perigosos?
Não! É tudo demasiado mau. Para salvaguarda da estabilidade do nosso espírito, para podermos dormir sem pesadelos, temos mesmo que migrar dos canais generalistas e de notícias da televisão.
Fiquemo-nos pela leitura do jornal enquanto tomamos o pequeno almoço porque este é o mundo que existe e nós estamos nele. Só por isso.

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