Venturinha? |
TOCAIA GRANDE
(Jorgr Amado)
Episódio Nº 342
O
aluguer rendia uns bons cobres mensais, bastante para mãe e filha viverem
livres de aflições. Sia Efigênia sonhava desde então abandonar o trabalho na
fazenda para abrir uma qui tanda, em
Itabuna ou em Taquaras, onde vendesse bananas, frutas-pão, pimentas, jilós e o
mais que fosse de guarnecer e temperar.
Estando porém o Coronel em boa saúde e
enrabichado pela
moleca, a puxa-reza adiara o projeto para
quando o fazendeiro enjoasse de Sacramento: xodó de rico sabe-se como é, pode
acabar num átimo, da noite para o dia.
Não deu para o Coronel enjoar, faltou
antes: a morte soprou a congestão em seu cangote e ele caiu duro, a boca torta.
Vendendo abóbora e maxixe na qui tanda, na influência de Itabuna, Sacramento não
tardaria a arranjar outro ricaço que lhe pusesse casa e abrisse conta em loja
de fazenda e de sapato.
Assim deliberara sia Efigênia, ambiciosa e
prática. Mas dona Ernestina herdara Sacramento junto com as propriedades rurais
e citadinas: o latifúndio, as ruas de casas de aluguel em Ilhéus e em Itabuna,
o dinheiro a juros, a fortuna imensa.
Os sonhos de qui tandeira
de sia Efigênia viram-se adiados para quando Deus qui sesse.
A herança do coronel Boaventura Andrade,
tema principal de conversa e disse-que-disse nas esqui nas
e botequi ns, nas estradas e bodegas,
não foi objecto de inventário e divisão.
Mais dia menos dia, tudo será dele - dispusera
a viúva encomendando missas ao padre Afonso e referindo-se ao filho - tão logo Deus me chame para a sua companhia.
Sendo assim, para que dividir roças e
casas, bens maiores e menores, o capital e os juros? Apenas Venturinha
desembarcou da Europa, com escalas no Rio e na Bahia, a mãe lhe entregara o
mando e o desmando da fortuna.
Exclusivo para ela, dona Ernestina
reservou um único pertence: a serva Sacramento.
7
De quem seria a sombra que o Capitão via
refletida na chama do fifó, em casa do finado Tiburcinho? O que viera fazer no barraco
na ausência dos moradores? Coisa boa não seria.
Natário empurrou a porta com a mão
esquerda, a direita no cabo do revólver. Deu de cara com Sacramento, coberta de
poeira: a moça soltou um pequeno grito ao vê-lo mas não era de susto, era de surpresa
e de satisfação:
- Ai,
Capitão! Que bom ver vosmicê! Me disseram que tinha ido embora.
- E tu, que faz aqui ?
Dona Ernestina lhe dispensou?
Sacramento baixou os olhos para o chão:
- Por dona Ernestina eu nunca ia sair de
lá. A coitadinha deve estar pensando mal de mim, achando que não presto. Escapuli
sem dizer nada pra ela, mas como houvera de dizer?
- Tu fugiu da casa do Coronel? Que cobra
lhe picou?
- Foi o doutor. Quis me agarrar.
O Capitão não pareceu surpreendido: nos
lábios desenhou-se o
sorriso álgido, quase impercept ível.
-Venturinha?
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