(Domingos Amaral)
Episódio Nº 90
E o Braganção? Perguntou Gonçalo.
Alguém garantiu que andava de roda de
Sancha Henriques, e parimos mais uma vez sem ele, enrolados nos nossos mantos,
para tentarmos passar despercebidos entre o povo que comia, bebia, cantava e
dançava à volta das fogueiras.
Lavradores e almocreves, jograis e
trovadores, soldadeiras e prostitutas, cavaleiros-vilões e peões, escudeiros e
criadas do castelo, padeiras e talhantes, todos aproveitavam aquela noite para
se alegrarem, enquanto os muitos mendigos de rua pousavam como moscas nos
restos de comida da festarola.
A dado momento cruzámo-nos com o homem
que, no dia antes, interpretara Jesus durante a missa, e Gonçalo comentou:
-
Lá vai o Cristo, ressuscitou um dia mais cedo à custa da pinga!
O indivíduo cambaleava e rasou um grupo de
mal encarados, sentados no chão sem beber ou dançar, um dos quais tinha a cara
deformada, avermelhada e inchada, mal se vendo o olho esquerdo.
Eram roliços bobos da Galiza, pagos pelo
trava para soltarem larachas e divertirem a populaça, chamando-se um Fruela e o
outro Ordonho, como os antigos reis godos das Astúrias.
Afonso Henriques murmurou:
-
São os homens do Gondomar, vão para Soure amanhã.
Gonçalo fez uma careta arrepiada e disse.
- E
queriam que eu fosse com eles! Morria de susto com aquele camafeu a meu lado
todas as noites!
Talvez fosse aquela horripilante
enfermidade que distinguia o grupo e o afastava da festa em geral. Conversavam
de cabeça baixa como se suspeitassem de alguém ou estivessem fugidos à justiça
régia.
Deixamo-los para trás e dirigimo-nos a uma
pequena tenda dentro da qual se servia o vinho, onde demos com a rapariga
normanda, perante quem Afonso Henriques decidiu ridicularizar Gonçalo.
- O Sousinha diz que passou a noite de
ontem convosco.
Elvira parou de servir o vinho, irritada. Era
mesmo alta e o seu cabelo estava agarrado com um carrapito, mas o brilho nos
seus olhos, que crepitara ao ver o príncipe, extinguiu-se num ápice.
Não falais verdade, não sois de confiança –
disse a Gonçalo.
Este, habituado mais a escarnecer do que a
ser escarnecido, murmurou que estava bêbado, mas Elvira manteve o ar zangado.
- Pois ficai sabendo que nem em sonhos me
daria a vós.
Ofendida na sua reputação, virou-nos as
costas e saiu da tenda, abandonando o serviço, apesar dos protestos de quem
esperava por vinho.
Afonso Henriques ergueu a sobrancelha e
murmurou:
- É
no que dão as vossas trapaças...
Gonçalo encolheu os ombros e logo sugeriu
que nos acercássemos da fogueira, onde havia risada geral, originada por dois
rapazes gémeos.
Eram roliços bobos da Galiza, pagos pelo
Trava para soltarem larachas e divertirem a populaça, chamando-se um Fruela e o
outro Ordonho, como os antigos reis godos das Astúrias.
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