segunda-feira, outubro 26, 2015

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 93





















- Sancho, vosso tio, morreu em Uclés, com apenas treze anos – lembrou meu pai – Nem sempre os primeiros filhos sobrevivem,

Convicto da sua boa estrela, Afonso Henriques afirmou:

 - Não sou o meu pobre tio Sancho, não vou morrer tão cedo.

Depois, sorrindo pela primeira vez aos seus percetores, acrescentou:

- Mas, se tendes receios, caso depressa e faço um filho!

Meu pai e meu tio não esperavam aquela simplicidade tranquila com que o príncipe reagia, e mais tarde disseram-me que só ali se deram contam de quanto ele tinha amadurecido.

Agora, era um homem sólido e forte, inteligente e atento, capaz de controlar o seu próprio destino e o do Condado. Orgulhosos e descansados, sorriram-lhe e deixaram-no ir deitar-se.

Quando chegou à cama, Afonso Henriques sentia-se cansado mas também satisfeito, pelo que vivera à tarde com Chamoa. Pensou nela e adormeceu enamorado, e por isso não reparou quando Raimunda, já nua, veio deitar-se a seu lado.

Numa das nossas últimas conversas, ela contou-me que só uma hora depois, enervada, o acordou. Contudo, ele disse-lhe que tinha sono, que não queria nada naquela noite e voltou a adormecer.

E nem reparou que minha prima, quando se levantou, estava a chorar. Com os violentos sentimentos feridos pela primeira rejeição que sofrera.

“Jumenta galega” pensou ela. “O meu amado já não me quer. Sofro tanto. Vou dar cabo de vós”.



Soure, Sábado de Aleluia, Abril de 1126


Mem concluiu que um dos jumentos teria de descansar, pois estava magoado numa perna desde meio da tarde, e por mais que quisesse chegar aos arrabaldes de Coimbra nessa noite tal não seria possível.

Ia pela antiga estrada do tempo dos Romanos, que ligava Santarém à cidade do Mondego, onde seu pai morrera, mas teria de parar a carroça um pouco afastado do caminho, pois nunca se sabia quem passava por ali durante a noite.

Para o domingo de Páscoa um nobre coimbrão tinha-lhe encomendado lebres, gansos e perdizes, e Mem não estava habituado a falhar os seus compromissos.

Fora assim que se tornara um almocreve tão fiável quanto seu pai, por isso incomodava-o ter de parar mas a perna do jumento necessitava de umas horas de descanso.

Partiria de madrugada, estava a pouco mais de uma hora de Coimbra, e chegaria a tempo de entregar as carnes para o jantar, bem como uns salmonetes com que queria surpreender a esposa do cavaleiro, amante de peixes bem cozinhados e não só...

Ao fundo, na penumbra da noite, descortinou os destroços de uma velha vila de Soure, que tinha sido arrasada aquando da primeira invasão do califa Ali Yusuf.

Uma década depois, a destruição ainda se mantinha, agora debaixo de um manto de terra e de milhares de raízes de árvores, como sempre acontece aos lugares em abandono.

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