(Domingos Amaral)
Episódio Nº 93
- Sancho, vosso tio, morreu em Uclés, com
apenas treze anos – lembrou meu pai – Nem sempre os primeiros filhos
sobrevivem,
Convicto da sua boa estrela, Afonso Henriques
afirmou:
-
Não sou o meu pobre tio Sancho, não vou morrer tão cedo.
Depois, sorrindo pela primeira vez aos
seus percetores, acrescentou:
- Mas, se tendes receios, caso depressa e
faço um filho!
Meu pai e meu tio não esperavam aquela
simplicidade tranqui la com que o príncipe
reagia, e mais tarde disseram-me que só ali se deram contam de quanto ele tinha
amadurecido.
Agora, era um homem sólido e forte,
inteligente e atento, capaz de controlar o seu próprio destino e o do Condado. Orgulhosos
e descansados, sorriram-lhe e deixaram-no ir deitar-se.
Quando chegou à cama, Afonso Henriques
sentia-se cansado mas também satisfeito, pelo que vivera à tarde com Chamoa. Pensou
nela e adormeceu enamorado, e por isso não reparou quando Raimunda, já nua,
veio deitar-se a seu lado.
Numa das nossas últimas conversas, ela
contou-me que só uma hora depois, enervada, o acordou. Contudo, ele disse-lhe
que tinha sono, que não queria nada naquela noite e voltou a adormecer.
E nem reparou que minha prima, quando se
levantou, estava a chorar. Com os violentos sentimentos feridos pela primeira
rejeição que sofrera.
“Jumenta galega” pensou ela. “O meu amado
já não me quer. Sofro tanto. Vou dar cabo de vós”.
Soure, Sábado de Aleluia, Abril de 1126
Mem concluiu que um dos jumentos teria de
descansar, pois estava magoado numa perna desde meio da tarde, e por mais que qui sesse chegar aos arrabaldes de Coimbra nessa
noite tal não seria possível.
Ia pela antiga estrada do tempo dos
Romanos, que ligava Santarém à cidade do Mondego, onde seu pai morrera, mas
teria de parar a carroça um pouco afastado do caminho, pois nunca se sabia quem
passava por ali durante a noite.
Para o domingo de Páscoa um nobre coimbrão
tinha-lhe encomendado lebres, gansos e perdizes, e Mem não estava habituado a
falhar os seus compromissos.
Fora assim que se tornara um almocreve tão
fiável quanto seu pai, por isso incomodava-o ter de parar mas a perna do
jumento necessitava de umas horas de descanso.
Partiria de madrugada, estava a pouco mais
de uma hora de Coimbra, e chegaria a tempo de entregar as carnes para o jantar,
bem como uns salmonetes com que queria surpreender a esposa do cavaleiro,
amante de peixes bem cozinhados e não só...
Ao fundo, na penumbra da noite,
descortinou os destroços de uma velha vila de Soure, que tinha sido arrasada
aquando da primeira invasão do califa Ali Yusuf.
Uma década depois, a destruição ainda se
mantinha, agora debaixo de um manto de terra e de milhares de raízes de árvores,
como sempre acontece aos lugares em abandono.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home