quarta-feira, outubro 07, 2015

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 77


















- Ficámos a conversar uma hora e quando nos despedimos perguntei-lhe se a podia ir visitar, e Zulmira autorizou-me.

Assim começara aquele amor. Casados tinham vivido anos de enorme felicidade até à tarde nefasta em Coimbra, quando Zulmira e as filhas foram aprisionadas pelas tropas de Dona Teresa.

 - Descansai, prometo trazê-la de volta – afirmou Abu Zhakaria – Matarei quantos cristãos for preciso.


Foi essa expedição que partiu na manhã seguinte, ao nascer do sol do castelo de Hisn Abi Cherif. Os arregimentados eram cerca de quarenta, cujo putativo alarife, Abu Zhakaria, considerava ser suficientes para um fossado rápido.

Quando se despediu dele, Taxfin apenas lhe disse:

 - Vai, querido Abu, e traz de volta as minhas meninas e a minha Zulmira.

Depois lançou uma profecia que surpreendeu o outro:

- Um dia casareis com a Fátima aqui, no castelo dos Benu Umeyya.

Abu Zakaria contou-me que ficou ligeiramente embaraçado, e depois montou o seu cavalo e conduziu-o para fora do castelo, liderando a comitiva de mercenários.

Ao passar a primeira curva na estrada, olhou para o topo de uma elevação e viu o mausoléu onde repousavam os restos mortais de Hixam e de seu pai, os dois últimos Benu Umeyya.

À porta da pequena Arrábida estava uma das velhas criadas mouras, com a mão direita pousada junto do coração e Abu Zhakaria reparou que ela tinha lágrimas a escorrerem pelo rosto, e acreditou que chorava porque sabia que alguém ia morrer.


Viseu, Sábado de Aleluia de 1126


O sol já nascera naquele Sábado de Aleluia, mas o frio que a manhã herdara da madrugada fazia-se sentir ainda, e nós estávamos enrolados nos nossos mantos, para evitar constipações.

Na véspera, tínhamos combinado ir caçar logo à primeira hora, mas o Braganção tinha falhado o encontro, à porta das cozinhas do castelo.

Lá dentro, a padeira cozia o pão num forno a lenha e, enquanto aquele inebriante cheiro nos subia pelas narinas, várias mulheres passaram, com cestas à cabeça, cheias de legumes e frutas, aumentando o nosso apetite.

Decidimos aguardar pelo Braganção, mas sobretudo pelo pão, para não alalarmos de estômago vazio.

A meu lado, Afonso Henriques estava sonolento. Na noite anterior Raimunda mostrara-se dotada de mais energia do que era habitual, e ele dormira menos do que devia.

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