terça-feira, outubro 20, 2015

Dalvino, bêbado, mal se aguentava em pé.
Tocaia Grande
(Jorge Amado)

Episódio Nº 367


















7

- Dalvino, se lembra dele? - Disse o negro Espiridião empurrando o cadáver com o pé.

Natário lembrava-se muito bem do branquicela, um dos muitos que o tinham jurado de morte nos outroras dos barulhos.

Defrontaram-se, então, o cabra engajado nas hostes do coronel Dalton Melo, de Ferradas, ele guardando os passos do coronel Boaventura.

Numa pensão de putas, em Itabuna, tiveram ademais uma desavença por causa de mulher mas o desaguisado não prosperara: Dalvino, bêbado, mal se aguentava em pé.

A língua grossa de cachaça, reduzira-se a ameaças vãs e a juras de vingança. Uma das raparigas o levou consigo para a cama.

Brancacento, cabelo cortado à escovinha, no queixo, lembrança de tiroteio, um rasgão vermelho. Bom de mira, Dalvino passava por autor de um sem-número de mortes em tocaias armadas por conta de mandantes diversos.

Quando o coronel Dalton bateu as botas, consumido pela febre, a que matava até macacos, Dalvino se transformou em franco-atirador, alugando repetição e pontaria a quem lhe propusesse trabalho e pagamento.

Depois sumira, deram-no como morto no sertão de Jequié, de onde viera e para onde voltara. Eis que ressuscitara de repente para aparecer em Tocaia Grande, resolvido a liquidar Natário.

Por conta de velhas ameaças, vingança com tamanho atraso, difícil de acreditar.

Fora contratado para fazer o serviço, por alguém a par da topografia do arraial e dos hábitos do Capitão, compromissos e amores.

- Taquaras tá assim de jagunços, todo dia chega uma porção, vinda de Itabuna. - Continuou Espiridião: - Se quiser saber pra que, eu lhe digo: tão se juntando para atacar Tocaia Grande.

Achando estranho o repentino afluxo daquela banda de celerados, na estação de Taquaras, Espiridião buscou saber o motivo da curiosa convergência. Há muito não se via tantos clavinoteiros reunidos, sem razão aparente, pois reinava paz na grei dos coronéis, a terra dividida entre os graúdos, e a política andava calma, ainda distantes as eleições.

 Sem nada que fazer a não ser admirar os conhecimentos da filha, a professora Antónia - vê-la ao quadro-negro ditando contas para os meninos inflava-lhe o coração e abria-lhe a boca num riso destampado de gengivas sem dentes, -  saíra à cata de informações: por que se concentrava em Taquaras tal quantidade de capangas, alguns de temerosa e merecida fama?

Todos armados até os dentes, dinheiro sobrando no bolso: nas pensões corria cachaça à Ia godaça.

A maioria dos colhudos não sabia grande coisa, além do convite transmitido de parte do sargento Orígenes para uma diligência que podia render bons cobres, com garantia de saque e de butim, e a perspectiva de um posto na Polícia Militar, dependendo do comportamento do indivíduo.

Engajar na Polícia Militar, com direito a farda e a impunidade, era a ambição maior dos jagunços desocupados.

Em Taquaras, local de encontro, receberiam as directivas no momento azado.

Um ou outro, porém, sabia um pouco mais e o nome de Tocaia Grande foi citado várias vezes. Dalvino, cozinhando um porre monumental na pensão de Mara, no Beco da Valsa, gabola além de bêbado, jactou-se de estar encarregado de incumbência especial, de relevância, a preceder a movimentação da jagunçada.

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