Meu amor - balbuciou botando sangue pela boca e pelo peito... |
Tocaia Grande
(Jorge Amado)
Episódio Nº 366
A calma da manhã ensolarada cobria Tocaia
Grande, um manto de paz. Os ruídos eram os de sempre, a brisa arrepiava a água
do rio, mulheres lavavam roupa cantando modas, porcos fuçavam frutos podres
debaixo da jaqueira.
Fadul estava na porta do armazém,
Durvalino tirava água do poço e se ouvia a pancada do malho sobre a bigorna na
oficina de Castor Abduim.
Bernarda e Coroca se aproximavam para desejar
boa viagem a Zilda e beijar Nado.
No cemitério, uma sepultura a mais, cova
rasa igual às outras: a de Altamirando, pastor de cabras e de porcos. Tinham-no
enterrado na vizinhança de Ção, adivinhando-lhe a vontade.
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Nus, devido ao calor, naquele mesmo dia,
na boca da noite, estavam o capitão Natário da Fonseca e Bernarda, sua
afilhada, seu xodó, na cama a folgar, quando sentiram alguém abrir a tramela e
empurrar a porta de entrada da casa de madeira.
Devia ser Coroca voltando do outro lado do
rio onde fora de visita a sai Vanjé. Assim pensando, o Capitão qui s prosseguir na folia, mas Bernarda duvidou e,
num estremeção, saiu debaixo dele.
Andava num pé e noutro desde o dia dos
fiscais matando porcos, um pressentimento na cabeça, um peso no coração.
Nas sombras do quarto incorporou-se um
vulto, vinha gritando da sala:
- Chegou o dia de tu morrer, Natário da
Fonseca, capitão de merda!
Visou o Capitão mas quem recebeu o tiro
foi Bernarda, que
se erguera de súbito, tomando a frente do
padrinho. A bala lhe rasgou o peito, atravessando o seio esquerdo, e ela caiu
em cima de Natário.
No mesmo instante uma bala, disparada da
porta, derrubou o capanga. O negro Espiridião fez-se ver ao lusco-fusco, mas
não entrou no quarto, ficou esperando na saleta.
Bernarda morria nos braços do padrinho
como lhe anunciara a cigana no distante dia em que lhe lera a mão.
-Meu amor... - murmurou, botando sangue pelo peito e pela
boca. Pela primeira vez ela lhe dizia meu amor, ao único amor de sua vida.
Ainda repetiu antes que a voz se
extinguisse: - Meu amor..,.
O sangue de Bernarda cobriu o busto de
Natário, escorrendo- lhe pela barriga e pelas coxas. Ele a levantou nos braços,
deitou-a sobre a cama e a cobriu com o lençol.
O rosto imóvel, as mandíbulas duras, os
dentes cerrados, os olhos baços, um fio de navalha, o Capitão demorou um minuto
ali parado diante do corpo da afilhada. Dava pena e dava medo.
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