segunda-feira, novembro 02, 2015

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 99



















A igreja estava apinhada, lá atrás os populares acotovelavam-se, meio tontos devido ao cheiro a incenso. Viseu inteiro compareceu, era Domingo de Aleluia, todos queriam celebrar a ressurreição de Cristo e todos eram incapazes de se calarem.

Havia quem desse gargalhadas, quem trocasse argumentos em voz alta e ninguém ligava aos ritos visigóticos ou aos cânticos em latim.

Afonso Henriques também sorria e falava com os amigos, enquanto o Braganção circulava alegremente entre os bancos, dando beliscões no rabo das senhoras, fazendo Sancha Rodrigues espumar de raiva, com o descaramento do seu destinado esposo.

Aquela feira extravagante era habitual nas missas, fosse em braga, mesmo com a Sé destruída, em Guimarães, em Zamora ou até em Compostela.

Na Páscoa todos aproveitavam para pôr a conversa em dia, para namoriscar, para comerciar, para rir.

O que não era habitual era o que se passava no banco da frente! Desde que a missa começara, Dona Teresa e Fernão Peres de Trava, não cessavam as ternuras.

Davam o braço, faziam festas no cabelo um do outro, como jovens enamorados acabados de casar.

O prior Teotónio, como nos garantiu à saída, conhecia bem o significado daqueles mimos: Dona Teresa devia estar nos dias frutuosos, apesar da idade ainda os tinha.

Aqueles salamaleques carinhosos não lhe causavam apenas repugnância física, mas também uma aguda dor moral. Teotónio considerava aquele casal o pior exemplo da depravação, da luxúria, da recusa de cumprir os preceitos da igreija.

- Não cometerás adultério é um dos mandamentos basilares de Deus, transmitido a Moisés nas tábuas da Lei, e estes dois ignoram-no há tantos anos! – bramou ele, no fim da missa, só para quem o ouviu.

Tudo neles era pecaminoso: a traição inicial a Bermudo, o inenarrável destino que lhe deram, casando-a com a filha mais velha de Dona Teresa, tornando o incesto duplo, e depois esta permanente exibição de pecados gulosos, sabendo todos que Fernão Peres de Trava era casado, tinha mulher legítima na Galiza, e prole vasta para cuidar!

Agora, a infâmia crescia para um patamar ímpio, com o desejo de um filho varão. E tinham o descaramento de o revelar, como se não se importassem com as consequências nefastas!

Quando viu Dona Teresa fechar os olhos, satisfeita com as festas que o Trava lhe fazia, Teotónio perdeu a tineta e dirigiu-se ao púlpito, agarrando-o com as duas mãos.

- Ó gente pecadora, ouvi o que vos digo!

Nas primeiras filas ainda ninguém prestava atenção às palavras do prior. O Braganção abraçava agora Sancha Henriques que se mostrava trombuda e enciumada e Dona Teresa Pousara a cabeça no ombro do amante e permanecia de olhos fechados.

- Haveis pedido perdão a Deus pelas vossas tentações da carne? – Pois não foi suficiente, e tereis de penar para obter as graças de Cristo!

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