(Domingos Amaral)
Episódio Nº 99
A igreja estava apinhada, lá
atrás os populares acotovelavam-se, meio tontos devido ao cheiro a incenso.
Viseu inteiro compareceu, era Domingo de Aleluia, todos queriam celebrar a
ressurreição de Cristo e todos eram incapazes de se calarem.
Havia quem desse
gargalhadas, quem trocasse argumentos em voz alta e ninguém ligava aos ritos
visigóticos ou aos cânticos em latim.
Afonso Henriques também
sorria e falava com os amigos, enquanto o Braganção circulava alegremente entre
os bancos, dando beliscões no rabo das senhoras, fazendo Sancha Rodrigues
espumar de raiva, com o descaramento do seu destinado esposo.
Aquela feira extravagante
era habitual nas missas, fosse em braga, mesmo com a Sé destruída, em
Guimarães, em Zamora ou até em Compostela.
Na Páscoa todos aproveitavam
para pôr a conversa em dia, para namoriscar, para comerciar, para rir.
O que não era habitual era o
que se passava no banco da frente! Desde que a missa começara, Dona Teresa e
Fernão Peres de Trava, não cessavam as ternuras.
Davam o braço, faziam festas
no cabelo um do outro, como jovens enamorados acabados de casar.
O prior Teotónio, como nos
garantiu à saída, conhecia bem o significado daqueles mimos: Dona Teresa devia estar
nos dias frutuosos, apesar da idade ainda os tinha.
Aqueles salamaleques
carinhosos não lhe causavam apenas repugnância física, mas também uma aguda dor
moral. Teotónio considerava aquele casal o pior exemplo da depravação, da
luxúria, da recusa de cumprir os preceitos da igreija.
- Não cometerás adultério é
um dos mandamentos basilares de Deus, transmitido a Moisés nas tábuas da Lei, e
estes dois ignoram-no há tantos anos! – bramou ele, no fim da missa, só para
quem o ouviu.
Tudo neles era pecaminoso: a
traição inicial a Bermudo, o inenarrável destino que lhe deram, casando-a com a
filha mais velha de Dona Teresa, tornando o incesto duplo, e depois esta
permanente exibição de pecados gulosos, sabendo todos que Fernão Peres de Trava
era casado, tinha mulher legítima na Galiza, e prole vasta para cuidar!
Agora, a infâmia crescia
para um patamar ímpio, com o desejo de um filho varão. E tinham o descaramento
de o revelar, como se não se importassem com as consequências nefastas!
Quando viu Dona Teresa
fechar os olhos, satisfeita com as festas que o Trava lhe fazia, Teotónio
perdeu a tineta e dirigiu-se ao púlpito, agarrando-o com as duas mãos.
- Ó gente pecadora, ouvi o
que vos digo!
Nas primeiras filas ainda
ninguém prestava atenção às palavras do prior. O Braganção abraçava agora
Sancha Henriques que se mostrava trombuda e enciumada e Dona Teresa Pousara a
cabeça no ombro do amante e permanecia de olhos fechados.
- Haveis pedido perdão a
Deus pelas vossas tentações da carne? – Pois não foi suficiente, e tereis de
penar para obter as graças de Cristo!
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