terça-feira, novembro 03, 2015

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 100






















O Trava mirou o prior, desagradado, mas Dona Teresa nem se mexeu.

- Até na casa de Deus praticais o adultério! – gritou Teotónio.

O Trava alertou subitamente a rainha, que abrira os olhos ao ouvir o grito, indicando-lhe que Teotónio se estava a referir a eles. Dona Teresa franziu a testa sem perceber.

- Não vos bastou o incesto do passado? – rugiu o prior.

Ao escutar a palavra proibida toda a igreja se calou, pois não houve uma única alma que não soubesse a quem ele se referia.

 - Não vos bastou esse terrível pecado que Deus considera aberrante? Ainda tendes de o agravar com um adultério vergonhoso?

A infanta Urraca Henriques estava já a choramingar, pois sofria sempre que alguém lembrava as origens duvidosas do seu casamento.

Herdara o marido da mãe, mas Bermudo era bom homem, não era justo aquele fustigar impiedoso.

Ao seu lado, o esposo mantinha os olhos no chão, envergonhado. Já Dona Teresa sentou-se hirta e zangada, olhando para Teotónio em desafio. Contudo, o prior de Viseu não se acanhou.

- É bem sabido que vós, Fernão Peres, tendes esposa legítima perto de Compostela! Por que não passais com ela as aleluias?

O Trava empalideceu, Nunca esperara tal humilhação pública e não sabia o que fazer. Num Domingo de Páscoa, não se interrompia a homilia de um prior, ainda para mais um com fama de santo!

- E vós Dona Teresa, sabeis que a excomunhão é a punição dos que não respeitam as regras da Santa Madre igeja?

Um rumor espantado percorreu a multidão. Teotónio ameaçava a rainha com uma excomunhão, em plena missa de Domingo de Páscoa?

Até Afonso Henriques estava surpreendido com tamanha violência verbal! Porém, a seu lado, a família Ribadouro mantinha-se calma como se nada disto fosse uma surpresa e foi essa inesperada tranquilidade que levou Paio Soares a murmurar a Egas e a Hermígio, volteando o seu balandrau azul-escuro:

 - Isto foi idéia vossa, é tão certo como me chamar Paio!

Rapidamente os presentes retiraram as suas conclusões. Para os galegos e restantes apoiantes da rainha e do trava, aquele ataque religioso confirmava a divisão cavada na corte e o ódio larvar sentido pelos portucalenses.

Para estes, exceptuando Paio Soares, era uma bem-vinda vantagem moral de quem ainda não tinha força militar para mais.

Contudo, poucos ficaram convencidos que aquela forte repreensão fosse suficiente para alterar as ideias futuras do casal régio.

Dona Teresa já antes fora excomungada, já mandara prender o arcebispo de Braga, já lutara contra a irmã Urraca, já afrontara Afonso de Aragão e também o Arcebispo de Compostela, e nada a fizera parar.

Não seria o discurso de Teotónio, por mais veemente que fosse, que lhe mudaria o carácter ou os propósitos.

A rainha limitou-se, portanto, a suspirar quando o prior de Viseu informou a congregação de que avisaria Roma daquela excomunhão.

Até que o Papa se pronunciasse, havia de correr muita água debaixo das pontes.

Levantando-se, a rainha sorriu a Teotónio, com uma desfaçatez magnânima, e abandonou a missa alegre e bem disposta, de braço dado com o Trava.

Depois da Igreja esvaziar, Soeiro Mendes e os irmãos Moniz de Ribadouro, bem como Afonso Henriques e seus amigos, dirigiram-se a Teotónio para lhe beijarem a mão, como era costume na Páscoa.

Contente, Egas Moniz afirmou:

- O Trava ficou sem pinga de sangue. Os outros acenaram com a cabeça concordando, e o prior resmungou as suas fúrias, que só terminaram quando pousou uma mão carinhosa no ombro do príncipe e disse:

- Querem tirar-vos o Condado. Mas não deixaremos

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