segunda-feira, novembro 02, 2015

Num impulso rápido, apossou-se do revólver
Tocaia Grande
(Jorge Amado)

Episódio Nº 378



















20

Quando o Turco Fadul se viu sozinho, Edu e Durvalino derrubados no chão, um morto, outro morrendo, sem bala no revólver nem munição no cinto, atirou-se em cima do cabra mais próximo que outro não era senão Benaia Cova Rasa.

Com as duas mãos, aquelas mãos disformes com que desapartava barulhos e convencia os mais renitentes, duas tenazes, apertou o pescoço do bandido mas não chegou a estrangulá-lo: recebeu dois tiros dos pistoleiros, um no ombro, outro no pescoço; afrouxou os dedos e arriou.

Não o mataram logo: atendendo às ordens de Benaia que, esbaforido e ofegante, respirava com dificuldade, amarraram o gigante e o depositaram no curral onde estavam entrincheirados.

Benaia pretendia ocupar-se dele quando a luta arrefecesse.

Por alguns minutos Fadul deixou-se ficar imóvel, juntando forças. Sangrava no pescoço e no ombro mas conseguiu encher o peito de ar e, inflando o tórax, rompeu as cordas de prender bois com que o haviam atado.

Num impulso rápido, apossou-se do revólver de um dos cabras e começou a atirar. Mandou dois para o inferno e mais não fez porque Benaia descarregou-lhe no corpo seis balaços.

Não podendo acabá-lo a faca, devagarinho, como planejara, Cova Rasa esbravejou, ludibriado e enfurecido.

Assim morreu Fadul Abdala, o Grão-Turco, o Turco Fadul, seu Fadu dos alugados e tropeiros, mascate de extensa tradição, bodegueiro, cidadão insigne do arraial, celebrado pelo tamanho da estrovenga, respeitado pela força bruta, bem-visto pela afabilidade no trato, querido pela natureza franca e solidária: não fora ele quem decretara, em priscas eras, que, em Tocaia Grande, eram todos por um e um por todos.

Nas calendas, fizera um pacto com o bom Deus dos maronitas que ali o trouxera pela mão. Cumpriu sua parte até o fim, apesar de todos os pesares, e na hora de morrer, cobrou do Senhor o desamparo.

Numa névoa viu passar diante dos olhos turvos a figura de Zezinha do Butiá, acenando um lenço de ramagens da porta do vagão. Abria a boca mas em lugar de balbuciar uma palavra terna, gritava o grito de Siroca quando ele a descabaçara.

Tendo tantas criaturas lindas em quem pensar, foi na moleca que pensou quando rendeu o corpo a Deus, ao bom Deus dos maronitas.

Bom Deus? Ache quem quiser, indignou-se antes de vomitar a alma: - Um embusteiro sem palavra, um patife, um bom filho da mãe, que faltou ao trato feito, iá-rára-dínak!

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