sábado, outubro 31, 2015

Bateram em retirada
Tocaia Grande
(Jorge Amado)

Episódio Nº 377




















Nem nos tempos das lutas entre Basílio de Oliveira e os Badarós sucedera tamanho morticínio em tão curto espaço de tempo.


19


De nada adiantaria fazer acusações, assinalar responsabilidades, incriminar esse ou aquele, de qualquer maneira houvessem decorrido os fatos, a desproporção das forças conduziria fatalmente à ocupação final de Tocaia Grande.

O contingente da Polícia Militar, oito homens efetivos e mais de vinte recrutados para garantir e legitimar a operação, sob o comando do cabo Chico Roncolho e do sargento Orígenes, somente efetuou o grande ataque derradeiro depois da notícia da morte de Natário, quando as forças do Capitão estavam reduzidas a seis homens válidos e a uma mulher: Coroca, puta, parteira e lugar-tenente em substituição a Fadul e a Castor, caídos ambos em combate.

Os afrontamentos anteriores deveram-se aos jagunços sem uniforme - que tantas túnicas militares não possuía om destacamento - outros vinte pelo menos: quantos foram encontrados vagando nos caminhos, provocando desordens nos lugarejos, ameaçando deus e o mundo.

A verdade, porém, impossível ocultá-la, manda dizer que o tresloucado gesto de Agnaldo à aparição dos primeiros capangas determinou a carnificina inicial, marcando a partir daí o caráter cruel da expedição, transformando a luta em matança.

Cortando por dentro a capoeira, um grupo de jagunços, chefiados por Felipão Zureta, avançou mais rápido do que os demais e ocupou a casa de farinha.

Natário mandou Castor atravessar o pontilhão, à frente de quatro voluntários, Dodô Peroba, Balbino, Zé Luiz e a negra Ressu de Iansan, santa guerreira, com o objetivo de desalojar os invasores ou de, pelo menos, impedi-los de marchar sobre o arraial.

Sem esperar que o pelotão se aproximasse, Agnaldo tomou da carabina e se precipitou para a casa de farinha.

Desde os longínquos e humilhantes dias de Sergipe -  a expulsão das terras em Maroim, o mourão onde fora amarrado como um boi de abate, os bolos aplicados com a palmatória dos escravos.

- Agnaldo sentia a sede da vingança queimar-lhe o peito e a garganta. Bom mesmo teria sido atirar no Senador, mas, à falta dele, os enviados dos outros senhores para manter e renovar a lei iníqua pagariam as culpas.

Adiantou-se atirando com a carabina que, inútil, conduzira ao ombro na travessia dos retirantes. Acertou no arcabouço de um jagunço e em seguida tombou varado de balas, foram os dois primeiros mortos.

No passo de Agnaldo, para contê-lo, quem sabe, despenhara-se Lia, sua mulher: recebeu uma descarga à queima-roupa, rolou em cima do corpo do marido.

Por detrás dela surgiu Aurélio, na mão a arma que o Capitão lhe dera; não chegou a dispará-la.

Furioso com o ataque imprevisto, Felipão ordenou violenta represália e os cabras a iniciaram se bem não conseguissem completá- la a contento.

Não lhes bastando liquidar ou colocar fora de combate Zé dos Santos e Jãozé que estavam armados, mataram a velha Vanjé que acorria aos gritos, o moleque Nando cuja arma era um badogue e uma das gêmeas de Dinorá: mal-equilibrada nos gambitos, a inocente estendia os bracinhos para os clavinoteiros.

Só não acabaram com as duas famílias sergipanas -  a de Ambrósio e de José dos Santos -  porque o piquete de Castor chegou pelo outro lado e os pegou desprevenidos, pois haviam deixado o refúgio da casa de farinha para matar mais à vontade.

Bateram em retirada.


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