(Domingos Amaral)
Episódio Nº 105
A união entre o imperador
Afonso VI e a moura Zaida sempre fora considerada maldita, e havia quem
acreditasse que a morte do infante Sancho, em Uclés, não era mais do que um
inexorável destino de tais misturas de sangue e fé.
- E vós? – perguntou a rainha,
dirigindo-se a Zaida – Não desejais desposar este belo moço?
Zulmira suspendeu a
respiração. A sua filha mais nova lia a Bíblia, visitava as bibliotecas e
conhecia a cultura dos cristãos., assimilando-a mais depressa que ela gostaria.
Sentia-se disponível para
uma metamorfose religiosa, o que a enchia de uma angústia fria. Porém, a
resposta de Zaida surpreendeu-a profundamente, bem como à irmã e a todos os
presentes naquela magna reunião:
- Só se ele me levar para Córdova, a terra de
meu pai!
Olhou para o putativo
pretendente, sorriu e acrescentou.
- Não me parece que o consiga.
Gonçalo, ao ouvir tal
insinuação, explodiu de irritação:
- O que dizeis vós, moura atrevida? Acaso me
julgais pouco homem?
Um silêncio divertido
percorreu a tenda. Os convivas esperavam uma resposta de Zaida à altura, ou
mesmo uma tirada cruel da irmã, que todos sabiam ser uma provocadora.
No seu canto, Raimunda
alegrou-se. queria ver se agora Fátima chamava aos presentes de “porcos” como
fizera na Sexta-Feira Santa.
Todavia, Zaida apenas
respondeu:
- Ser bom macho não é suficiente para chegar a
Córdova vivo.
Aquela referência às forças
militares muçulmanas, com que alguém teria de se confrontar para atingir a
antiga capital do califado, gerou na tenda uma súbita consciência da
fragilidade das forças cristãs na península.
Mesmo sem incursões mouras
nos últimos anos, não se conqui stara
um palmo abaixo de Coimbra.
Nem todos ficaram
preocupados. Na verdade, o meu melhor amigo, era diferente de todos nós. Enquanto
os outros sentiam receio dos mouros, Afonso Henriques confessou-me que, quando
ouviu aquela frase de Zaida, o seu espírito vagueou por ideais ambiciosos e
terras distantes, e imaginou-se, uns anos depois, a caminho de Lisboa, como o
seu bisavô Fernando Magno fizera mais de cinquenta anos antes, conqui stando terras aos serracenos.
Certamente por isso,
distraiu-se, não ligando às frases seguintes de Gonçalo que insistia na sua
assombrosa masculinidade o que gerou uma ronda de piadas na mesa, que muito
divertiram Chamoa, a julgar pelos risos que libertou. E também não reparou que
sua mãe se voltou a levantar.
Foi só quando ela proclamou
que faltava anunciar um último casamento, que ele a mirou, espantado.
- Paio Soares, meu bom
mordomo, não me esqueci de vós. Depois de vários anos viúvo, está na hora de
procriardes varões legítimos! Ireis desposar a bela Chamoa Gomes!
Nesse momento, ouvi a
siderada Chamoa produzir um pequeno grito, tombando depois, desmaiada, nos
braços de Afonso Henriques.
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